Curtas

Os Fabelmans

Vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Drama e Melhor Diretor, novo filme de Steven Spielberg é um retrato de família e uma ode ao cinema

TEXTO Laura Machado

16 de Janeiro de 2023

Imagem Divulgação

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No ano de 1971 o filme de suspense
Duel (Encurralado, na tradução brasileira) chegava aos cinemas norte-americanos. Originalmente produzida com exclusividade para a televisão, a obra foi um sucesso entre os críticos e o público, tornando-se responsável por lançar, no mundo do cinema, o nome do até então desconhecido diretor, Steven Spielberg, aos 25 anos. Mais de cinco décadas após o início de sua trajetória com os longas-metragens, o cineasta lança Os Fabelmans, filme semiautobiográfico que mergulha na vida do jovem Spielberg e sua família, permitindo ao público compreender seu ímpeto em contar histórias através do cinema.

Com a premissa familiar em evidência, o filme dá início à sua narrativa com um momento indicador do que está por vir nas 2h30 seguintes: Sammy (na infância, interpretado por Mateo Zoryon e, na adolescência, por Gabriel LaBelle) é levado ao cinema por seus pais, Burt (Paul Dano) e Mitzi (Michelle Williams), para assistir a O maior espetáculo da Terra, de Cecil B. DeMille, e não consegue desgrudar os olhos da tela. Ainda pequeno, ele fica assustado na mesma proporção de seu desejo em rever aquela cena mil vezes e, mais do que isso, em reproduzi-la sob o seu comando. Quando ganha um trenzinho como presente de natal, apanha a câmera do pai e filma a cena com criatividade que impressiona sua mãe. É o começo de sua jornada no mundo do audiovisual.

O cuidado do cineasta em contar a própria história se desenrola desde o princípio, através da direção e do roteiro, e o que talvez pudesse ser banal em outras narrativas, em Os Fabelmans, é especial. Cada detalhe apresentado no filme revela algo pessoal da vida de Spielberg, que olha para si mesmo como um espectador. E, apesar de não ser a primeira vez – em muitas das suas obras, detalhes de sua experiência pessoal foram emprestados para os personagens –, esta é a vez de maior exposição.


Imagem: Divulgação

O longa é mais do que uma visita delicada às memórias afetivas de seu criador, é um mergulho nas relações pessoais que perduram em sua família; é sobre o casamento dos seus pais, sobre crescer junto com um sonho e sobre mudar. Vencedor do Globo de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Drama e Melhor Diretor, o longa é repleto de um realismo fantástico que finalmente ganha palco e se torna um dos melhores e essenciais filmes de Spielberg. Emocionado, ele afirmou, em seu discurso, que esteve se escondendo dessa história desde os 17 anos: "Eu contei essa história em parcelas por toda a minha carreira, mas nunca tive coragem de encará-la de cabeça", disse.

Quando finalmente o faz, aos 76, o resultado é uma celebração de identidade perspicaz e vulnerável, capaz de evocar a grandeza nos detalhes e o amor em meio ao caos. Mais do que isso, a obra de Spielberg traz em si a potência do cinema, o poder de mudar rumos, criar espaços, contar histórias, emocionar e se fazer escutar. Em toda a jornada do protagonista, essa capacidade se expande e, por trás dela, Spielberg parece clamar a pujança do cinema.

É logo em uma das primeiras cenas do filme que Mitzi, mãe do jovem Sam, avisa ao espectador: "Nessa família, são os cientistas versus artistas. Sammy está no meu time, ele puxou a mim". Com a influência da mãe, a mais complexa personagem do longa, o jovem cineasta pode desenvolver suas habilidades e correr atrás de seus sonhos, diferentemente dela, que acabou por abandonar o desejo de ser uma grande pianista para casar com o cientista de computadores, Burt, e criar os filhos como uma típica dona de casa estadunidense. Para a sorte de todos, porém, Mitzi não consegue abandonar quem realmente é e, independentemente de onde esteja, permanece uma artista.

A influência da mãe na vida do protagonista é sentida desde o início do filme e segue como um fio narrativo que mede o seu amadurecimento. Nas primeiras cenas, ela parece perfeita aos olhos do filho, sem nenhum defeito sequer frente ao mundo, careta demais para entender os seus jeitos e manias. À medida que vai crescendo, Sammy vai compreendendo, porém, que sua matriarca está longe de ser a mulher perfeita e inquebrável que imaginava. Entre os seus pais, muitas questões complexas existem e permeiam a união e, além dos problemas matrimoniais dos pais, Sammy sofre com as mudanças de estado da família, devido às promoções de trabalho do pai, com o antissemitismo na escola e com todas as dores que fazem parte do crescer.

Com um bom ritmo no roteiro e diálogos fortes, o filme possui fluidez e capacidade de prender o espectador por toda a sua duração. Mesmo percorrendo cerca de 20 anos da vida do protagonista, desde a infância até os primeiros anos na vida adulta, a narrativa do longa é lindamente finalizada com um retrato que une Sammy, o personagem, à Steven, o homem. Sutil e forte, Os Fabelmans deixa claro a beleza em se estar sempre em construção, na latência da arte, na família.

LAURA MACHADO é jornalista em formação pela Unicap e estagiária da Continente.

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