Curtas

Oficina Brennand recebe Ernesto Neto e mostra coletiva

Espaço da Várzea abre portas para outros artistas pela primeira vez

TEXTO Carol Botelho

08 de Novembro de 2023

Ernesto Neto cria escultura-rito para cortejo no Capibaribe

Ernesto Neto cria escultura-rito para cortejo no Capibaribe

Foto Pepe Schettino/Divulgação

As obras dos artistas visuais Ernesto Neto e Francisco Brennand (1927-2019) se encontram nos caminhos do Rio Capibaribe e desembocam na oficina do mestre da Várzea com o rito-instalação-escultura CapiDançaBaribéNois. O espaço que abriga fábrica, templo e galerias agora se abre a outros artistas, como a convergir com novas águas e levar a percursos outros.

CapiDançaBaribéNois é ritual fluvial da nascente Marco Zero que leva até a foz-espaço expositivo da Oficina Francisco Brennand, Estádio, a escultura tubular e serpenteada de crochê feita de chita e voil, de 47 metros de comprimento, em cortejo acompanhado por manifestações culturais pernambucanas como coco e maracatu. “Pernambuco é um lugar muito importante na cultura ancestral brasileira, com toda a poesia, cinema, frevo, maracatu. Como carioca, estou vindo beber na fonte. Vocês são de onde a gente vem. A Oficina Brennand é um acontecimento, algo único que me remete a memórias de infância, quando pisava na azulejaria produzida na fábrica que ali habita”, derrete-se o carioca, um dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira. 

Fascinado pelo Rio Capibaribe, Ernesto precisava conhecer sua nascente. Foi até Poção, mergulhou, jogou ervas, sentiu a força dessas águas, a começar pelo nome. “Sou muito da água e do mar. Capibaribe é uma palavra que soa como uma dança. Então queria fazer uma escultura-cortejo em que várias células colocadas juntas pelo crochê geram novas células. Assim foi se moldando pelo rio como uma lagarta, remetendo a essa coisa da transmutação”, declara o artista, que pensou em um rito com três atos. O cortejo quase não seria possível de ser realizado, segundo Ernesto, pois os barqueiros do Marco Zero se recusaram a passar pela região onde se localiza a comunidade do Detran, tida como violenta. 

O primeiro, o rito de travessia, aberto ao público, acontecerá nesta quinta, 09/11, às 9h, com o embarque da obra em um barco que fará o trajeto até a Oficina Brennand. “Dançaremos com ela antes de a colocarmos em um saco para ser transportada”, adianta Ernesto. O rito de montagem ocorre dia 10, e terá participação do artista Rodrigo Scofield, de músicos e bailarinos para preencher a escultura com folhas secas. Finalmente, o rito de abertura, no sábado, 11/11, inclui a plantação de uma muda de mangueira, acompanhada de declamação de poemas e cantos pela artista Agda Moura. “A muda foi trazida da margem da foz do Capibaribe e representa o contato entre o piso do espaço e a terra onde ele se localiza, representando essa ligação”, explica o artista. Os ritos contarão com as presenças do Maracatu Real da Várzea, Coco de Duas e grupo de bailarinos Rivos. 

A escultura ficará suspensa a oito metros de altura e receberá contrapesos de cerâmica que são pequenos ovos como casas do João de Barro preenchidas com especiarias. “Cada célula de crochê representa uma unidade, um ser, um indivíduo em espiral nesta grande floresta cósmica que é a vida, dentro de nosso corpo, na natureza e na sociedade”, explica Ernesto, para quem a linguagem escultórica é preciosa. “Fazer escultura é como estar com dois martelos: o do desejo e o da realidade. Um vai batendo no outro”, compara. A participação de outros atores nesse rito representa o relacionamento com o outro, que propõe o equilíbrio com a natureza. “Estamos passando por um tremendo desequilíbrio natural, social, ecológico e ambiental. A escultura é um rezo pela saúde do rio e pela nossa. Essa é a situação que estamos trazendo em meio a duas guerras, afora a urbana”.

O trabalho escultural é também uma homenagem a Brennand e faz diálogo com o mural Peixe-folha, criado pelo artista pernambucano em 1986, em que estampa um ser que é cobra, lagarto e planta ao mesmo tempo. Além da escultura central, o Estádio será ocupado por outras obras relacionadas. O coletivo recifense Iputinga Sociocultural. A artista Libélula fará uma pintura no espaço, que será ocupado pelo lixo retirado do Capibaribe pelo artista, em uma ação para limpeza do rio, da qual participou. Versos de um cordel escrito para o rio por Sula Patrícia também ocuparão a galeria. 

A expo marca o retorno de Ernesto ao Recife após 20 anos. A última vez que expôs aqui foi em 2003, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam). Recife, portanto, não é uma cidade desconhecida de Ernesto. “Conheci Recife em 1977, quando tinha 13 anos e vim participar de uma competição de hipismo. No hotel em que me hospedei, havia bonecos de Vitalino e eu adorei e comprei alguns”, recorda. Até hoje a argila é matéria-prima cara ao artista.  

Invenção dos Reinos

Em outro espaço da Oficina Francisco Brennand, a Accademia, a exposição coletiva Invenção dos Reinos também propõe uma interação entre mais de cem obras de Brennand – entre pinturas e cerâmicas – e telas, fotografias, instalações e esculturas de outros 30 artistas nordestinos. Os nomes foram selecionados pela dupla de curadores Ariana Nuala, gerente de Educação e Pesquisa da Oficina, e Marcelo Campos, curador-chefe do MAR (Museu de Arte do Rio). Os dois propõem uma imersão no imaginário de Francisco Brennand – cujas pesquisas sobre culturas, divindades e santos influenciaram seu pensamento artístico – para conectar a natureza à criação de “reinos” como o que Brennand levantou em sua cidadela dentro da mata.  

Abiniel Nascimento e sua Anhangûera mosykyîé oré nã abé. Foto: Divulgação

“Será a primeira coletiva com outros artistas que não são Brennand, nesse espaço, Accademia, originalmente feito para guardar as pinturas dele. A ideia é pensar como marco as narrativas que não se encontram nos livros, nesse processo de pensamento e conhecimento mais legitimado. Essas narrativas da mata, que traz histórias de remanescentes de quilombos e aldeias, tornando a mata viva a partir de narrativas contadas que estavam invisíveis. Por isso trazemos não só pernambucanos porque acreditamos que esse processo se dá em outros lugares. Esses artistas criam uma nova forma de ver os trabalhos de Francisco. Uma nova perspectiva sobre suas obras”, declara Ariana. 

Deusa da Mata, de Francisco Brennand. Foto: Júlio Cavani/Divulgação

Dela se tirou a Jurema - religiosidade de matriz indígena - como ponto de referência, traçando um paralelo entre o imaginário de Brennand e a cidadela que construiu. Na Jurema, lugares sagrados são chamados de reinos e cidades e são habitados por seres encantados como pássaros, serpentes e peixes. Entre os artistas contemplados na exposição (lista abaixo), destaque para o pernambucano Abelardo da Hora (1924-2014), que trabalhou na fábrica de cerâmica onde hoje se situa a oficina quando Brennand era adolescente, e orientou o amigo em suas primeiras esculturas.

Lista de artistas

Abelardo da Hora (PE)

Abiniel J. Nascimento (PE)

Adailton de Dedé (AL)

AORUAURA (PE)

Bezinho Kambiwá (PE)

Bozó Bacamarte (PE)

Clara Moreira (PE)

Daiara Tukano (SP)

Diogum (PE)

Fakhô Fulni-ô (PE)

Francisco Brennand (PE)

Francisco Graciano (CE)

Fykyá Pankararu (PE)

Geraldo Dantas (AL)

Helcir Almeida (PE)

Ianah (PE)

Iara Campos e Íris Campos (PE)

Jaider Esbell (RR)

Lidia Lisbôa (PR)

Luiz Marcelo (BA)

Elson e Mestre Gerar (BA)

Nádia Taquary (BA)

Rafaela Kennedy (AM)

Rayana Rayo (PE)

Reginaldo de Mestre Manoel Quebra Pedra (PE)

Thiago Costa (PB)

Tiganá Santana (BA)

Zé Crente (AL)

PROGRAMAÇÃO CapiDançaBaribéNois

09.11.2023 | RITO DE TRAVESSIA

A escultura percorre o Rio Capibaribe 

9h | Concentração no Marco Zero, Bairro do Recife. 

10h | Rito de Ernesto Neto junto a Rodrigo Scofield, Maracatu Real da Várzea, Coco de Duas e grupo Rivus. 

11h | Saída dos barcos. Início da travessia da escultura pelo Rio Capibaribe. 

12h20 | Parada no Parque do Caiara.

14h | Chegada do barco com a obra à Oficina Francisco Brennand, onde a escultura será recebida pelo Maracatu Real da Várzea, Coco de Duas e pelos bailarinos do grupo Rivus. Ao som do batuque, a obra será carregada, em movimento, por várias pessoas, até o Estádio, onde repousará no chão.

Aberto ao público no Marco Zero e na Oficina.

10.11.2023 | RITO DE MONTAGEM

A escultura é instalada no Estádio da Oficina Francisco Brennand

10h-14h | Ritual de montagem com a presença do artista, Rodrigo Scofield, músicos e bailarinos, para preenchimento da escultura com folhas secas e suspensão ao longo do Estádio.

Aberto ao público.

11.11.2023 | RITO DE ABERTURA

11h11 | Dentro do Estádio, enquanto uma muda de árvore é plantada no umbigo da obra, Agda declama seus poemas e canta suas composições. Numa batida cadenciada e fazendo uso dos instrumentos pendurados na escultura, o Maracatu Real da Várzea inicia o seu batuque. Rumando para a entrada/saída do Estádio, as meninas do Coco de Duas cantam e conduzem o público para o lado de fora. 

Aberto ao público.

SERVIÇO

CapiDançaBaribéNois

Exposição de Ernesto Neto, com curadoria de Clarissa Diniz.

De 11 de novembro de 2023 a julho de 2024, no Estádio, na Oficina Francisco Brennand, Várzea, Recife, Pernambuco.

Invenção dos Reinos

 Exposição coletiva com curadoria de Ariana Nuala e Marcelo Campos

De 11 de novembro de 2023 a outubro de 2024, na Accademia, na Oficina Francisco Brennand, Várzea, Recife, Pernambuco.

 

Horário de visitação:

Terça a domingo

10h às 18h, com venda de ingressos até às 17h na bilheteria

Ingressos:

Inteira R$ 50

Meia R$ 25

Para moradores de Pernambuco:

Inteira R$ 40

Meia R$ 20

Vendas online: https://oficinafranciscobrennand.byinti.com/#/event/visite-oficina-francisco-brennand



Publicidade

veja também

Livro traça história do cinema pernambucano

A mágica de iludir e encantar

Gráfica Lenta no Vale do Catimbau