Quando Cannibal, vocalista do grupo punk recifense Devotos, esteve na Europa em turnê com sua banda, afeiçoou-se à sonoridade das palavras black coffee – inglês para “café preto”, bebida cujo hábito de consumo atravessa tempos e culturas. Na época, ele já estava idealizando um projeto solo no qual pudesse gravar as músicas que não fariam parte dos álbuns do Devotos. Decidira, ali, que o nome deste aludiria à bebida; mas foi numa conversa com Jorge Du Peixe, da Nação Zumbi, que acatou a sugestão de aportuguesá-lo. Assim, nasceu Café Preto, junto ao produtor e DJ Bruno Pedrosa e o músico PI-R.
Oriundo do Alto José do Pinho, bairro com profusão musical, Cannibal sempre esteve exposto a diversos estilos. Samba, brega, rock, afoxé e maracatu são inerentes às suas vivências e tiveram influência direta em um gosto pessoal plural, que lhe permitiu conceber a Café Preto em torno desse arcabouço. Há todo um conceito em sua performance: visualmente, na estética e nos figurinos, Cannibal pega emprestada a elegância de Marvin Gaye e Grace Jones, bem como o glam de David Bowie. Musicalmente, compõe uma amálgama de sons jamaicanos, soul, o funk original e música eletrônica – algo que evoca um fio condutor afetivo que desponta para muitos lugares, épocas e culturas, transcendendo as limitações taxativas de um gênero musical específico.
Nesse segundo semestre de 2018, Cannibal lançara não só o livro Música para quem não ouve, cuja resenha está disponível na Continente Online, mas também o segundo disco da Café Preto, Oferenda. Com músicas feitas para dançar e narrativas distintas das que costumava escrever com Devotos, abordando o cotidiano e relacionamentos, Oferenda é um testemunho afetivo e minimalista de Cannibal como indivíduo que sente e foi moldado pelos seus entornos. Enquanto, em Devotos, seu olhar está direcionado às mazelas sociais de uma sociedade, aqui, ele se volta para o outro a partir dos contatos interpessoais em comunhão com as interseções artísticas de onde vem. Oferenda está à venda e disponível para ser escutado em serviços de streaming como o Spotify.
MANU FALCÃO é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.