O sul global no centro
Celebrando 40 anos, Bienal Sesc Videobrasil reúne mais de 100 trabalhos, em variados suportes, de 59 artistas de 38 países, a sua grande maioria fora do eixo Europa-Estados Unidos
TEXTO Carol Botelho
18 de Outubro de 2023
Imagem Divulgação 22ª Bienal Sesc_Videobrasil
Um line-up de artistas visuais predominantemente sul-americano e africano ainda é coisa rara de se ver em grandes exposições de artes visuais. Como água mole em pedra dura…, há de chegar o dia em que a exceção será a regra. Um desses momentos decoloniais e voltados ao sul global acontece agora, dia 18 de outubro, quando começa a 22ª Bienal Sesc Videobrasil, no Sesc 24 de maio, em São Paulo. O evento é realizado pela Associação Cultural Videobrasil e Sesc São Paulo e exibirá mais de 100 obras. Dos 60 artistas e coletivos selecionados em 38 países, 47 estão fora do eixo Europa-Estados Unidos. Do Nordeste foram selecionados trabalhos de Camila Freitas (BA), Waly Salomão (BA), Luciano Figueiredo (CE), Mauricio Chades (PI) e Zé Carlos Garcia (SE).
Celebrando 40 anos, a mostra que nasceu com vídeo no nome – quando as primeiras câmeras começaram a entrar no Brasil, nos anos 1980 –, naturalmente se abriu a outras formas de expressão, como pintura, escultura, fotografia e trabalhos têxteis. Mas certamente não deixou o vídeo de fora. Ao contrário, o suporte se faz onipresente no momento atual desde a pandemia e a banalização da produção de imagens digitais. A memória é uma ilha de edição – retirada de poema Carta aberta a John Ashbery, do baiano Waly Salomão (1943-2003), conduz a bienal a repensar suas quatro décadas voltando-se para o próprio acervo, considerado um dos mais importantes do País, com mais de mil obras em vídeo e quatro mil itens, provocando os selecionados a pensarem em suas próprias memórias, independente do suporte.
'Galb'Echaouf', de Abdessamad El Montassir. Imagem: Divulgação 22ª Bienal Sesc Videobrasil
“Já passamos da fase de discutir particularidade do suporte. Agora o desafio maior é saber usá-lo em benefício de um projeto que não se limite ao plano estético. O artista tem que ter muito mais consistência cultural e política para que seu trabalho não seja apenas uma profusão de bonitas imagens. Isso é o mais desafiador”, reflete a diretora artística do Videobrasil, Solange Farkas, em entrevista à revista Continente.
No mapa do sul global – expressão cunhada para se referir aos países em desenvolvimento sem se basear em critério geográfico –, e do sistema de arte, o Videobrasil se localiza na extremidade da experimentação, do laboratório, da formação e da pesquisa. “O projeto é uma plataforma de incentivo à produção artística. Não se limita apenas ao happening da exposição em si”, explica Solange, ressaltando a necessidade de incentivar a pesquisa artística e criar redes de conexão com a produção de outros lugares através das residências artísticas.
“O Brasil tem um drama ainda por vencer que é a falta de verba para pesquisa, que possibilita ao artista experimentar e pensar novos projetos. O Videobrasil busca institucionalizar essas práticas”, esclarece Solange, ressaltando que artistas desse sul global ainda precisam se deslocar para os grandes centros para se legitimar. Claro, isso vale também dentro do Brasil, na relação entre regiões. “A gente sabe que o Nordeste inteiro é abandonado no sentido de políticas públicas, apesar da potência que existe. Se não estiver no Sudeste, o artista nordestino não consegue visibilidade. Meu trabalho é reverter esse processo, criar condições para que lugares como Gana e Quênia (África), Paquistão e Filipinas (Ásia) e Trinidad e Tobago (Caribe) disponham de redes e instituições para que os artistas possam existir ali”. Indo a campo nas visitas aos ateliês mundo afora, Solange se depara com artistas em desconexão com suas referências. “Sempre falei que o Brasil e outros países como o nosso sofrem o drama da colonialidade e da alteridade. A gente não gosta de olhar pra gente”.
Os curadores Solange Farkas, Raphael Fonseca e Renée Akitelek Mboya. Imagem: Divulgação 22ª Bienal Sesc Videobrasil
Assinam a curadoria da bienal o brasileiro Raphael Fonseca e a queniana Renée Akitelek Mboya. Durante o processo de pré-seleção dos trabalhos, a dupla contou com ajuda de outros cinco curadores de diversas nacionalidades: Amanda Carneiro (Brasil), Ana Sophie Salazar (Portugal), Nomad Uma Masilela (EUA/Alemanha), Siddharta Perez (Filipinas), Tereza Jindrová (Tcheca) e Ying Kwok (Hong Kong). Foram analisadas 2.319 inscrições de artistas de 119 nacionalidades. A bienal segue até 25 de fevereiro de 2024 e pretende viajar pelo Brasil, com foco na região Nordeste.
SERVIÇO
22a Bienal Sesc_Videobrasil – A memória é uma ilha de edição
Local: Sesc 24 de Maio
Período expositivo: 18 de outubro de 2023 a 25 de fevereiro de 2024
Horário de funcionamento: terça a sábado, das 9h às 21h; domingos e feriados, das 9h às 18h
Acessibilidade: mobiliário acessível; audioguia geral e audiodescrição de objetos táteis; videoguia em libras com legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e vibroblaster para obras sonoras; réplica, maquete e mapa táteis; piso podotátil e impressão dos textos em dupla leitura (português ampliado e Braile)
Classificação Livre | Entrada gratuita
ARTISTAS PARTICIPANTES:
Abdessamad El Montassir, Marrocos
Abdul Halik Azeez, Sri Lanka
Abu Bakarr Mansaray, República da Serra Leoa
Adrian Paci, Albânia
Agnes Waruguru, Quênia
Ailton Krenak, Brasil
Ali Cherri, Líbano
Alicja Rogalska, Polônia
Andrés Denegri, Argentina
Andro Eradze, Geórgia
Anna Hulačová, República Tcheca
Antonio Pichilla Quiacain, Guatemala
Arturo Kameya, Peru
Bo Wang, China
Brook Andrew, Austrália
Camila Freitas, Brasil
Cercle d'Art des Travailleurs de Plantation Congolaise (CATPC), Congo
Doplgenger, Sérvia
Eduardo Montelli, Brasil
Euridice Zaituna Kala, Moçambique
FAFSWAG, Nova Zelândia
Froiid, Brasil
Gabriela Pinilla, Colômbia
Guadalupe Rosales, Estados Unidos
Hsu Che-Yu, Taiwan
Isaac Chong Wai, Hong Kong
Iwantja Arts, Austrália
Janaina Wagner, Brasil
Josué Mejía, México
Julia Baumfeld, Brasil
Karel Koplimets, Maido Juss, Estônia
Kent Chan, Singapura
La Chola Poblete, Argentina
Leila Danziger, Brasil
Maisha Maene, Congo
Maksaens Denis, Haiti
Marie-Rose Osta, Líbano
Maurício Chades, Brasil
Mayana Redin , Brasil
Mella Jaarsma , Indonésia
Moojin Brothers, Coreia do Sul
Natalia Lassalle-Morillo, Porto Rico
Nolan Oswald Dennis, Zâmbia
Pamela Cevallos, Equador
PENG Zuqiang, China
Rodrigo Martins, Brasil
Sada [regroup], Iraque
Samuel Fosso, Camarões
Seba Calfuqueo, Chile
Sofia Borges, Portugal
TANG Han , China
Thi My Lien Nguyen, Vietnã/Suíça
Tirzo Martha, Curaçao
Tromarama, Indonésia
ujjwal kanishka utkarsh, Índia
Virgílio Neto, Brasil
Vitória Cribb, Brasil
Waly Salomão, Luciano Figueredo, Oscar Ramos, Brasil
Youqine Lefèvre, China
Zé Carlos Garcia, Brasil