Curtas

O novo samba tradicional de Marcelo D2

É a primeira vez que o músico carioca se apresenta no Festival Coquetel Molotov

TEXTO Carol Botelho

06 de Outubro de 2023

Show de Marcelo D2, em São Paulo, em junho de 2023

Show de Marcelo D2, em São Paulo, em junho de 2023

Foto Wilmore Oliveira/Divulgação

“O samba reacendeu em mim o amor por fazer música”, diz o carioca Marcelo Peixoto, o D2, sobre Iboru. Trabalho mais recente dedicado ao gênero de origem africana nascido no Brasil, o álbum será apresentado ao público recifense no Festival no Ar Coquetel Molotov, dia 21/10, na UFPE. Momento inédito será também o do carioca subindo ao palco do festival, que celebra 20 anos. Disco, carreira, samba e futuro foram o mote da coletiva online com a imprensa local. “É o disco que mais me deixou feliz e orgulhoso nos últimos 20 anos. Passei a minha vida inteira me preparando para chegar aqui. Muita gente me perguntava quando eu ia fazer um trabalho de samba”.

Há meses na estrada fazendo shows com o novo álbum, Marcelo aponta as canções que mais têm funcionado no palco: Povo de fé, Fonte que eu bebo, Até clarear, Tambor de aço  e Kalundu. Para chegar à sonoridade delas, D2 levou para as rodas de samba que frequenta canções de  Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Alcione e Leci Brandão (Zé do Caroço). “Isso me ajudou muito a achar a energia que eu queria no disco”.


Capa do disco Iboru. Reprodução

Kalundu aparece como faixa que leva o show para um lugar transcendental, de culto, engrandecida pela voz ancestral de Mateus Aleluia. “É um samba mais de terreiro, do recôncavo baiano. Alguns lugares abrem roda para cantar essa música, uma das poucas do disco em que faço rap”. Nos shows, onde é comum misturar repertório novo com músicas já conhecidas, Marcelo já colocou nove das 16 canções de Iboru (traduzido do yorubá significa que sejam ouvidas nossas súplicas). “O disco tem três atos, samba tradicional, de terreiro e popular”, enumera.

A música Povo de fé representa a iniciação de Marcelo no Ifá (sistema divinatório originado da etnia iorubá). “Um cara que fez Planet Hemp aos 20 anos tem muita fé na utopia, em um mundo melhor, nas amizades. Fé como filosofia de vida”. A faixa traz parceria de D2 com o compositor, historiador, escritor e babalaô no culto de Ifá Luiz Antonio Simas. “Luiza (minha companheira), Simas e Clementina de Jesus são três pilares dessa influência que me abriu um novo universo”.

O ritmo que sempre foi inspiração para o artista – gravou disco em homenagem a Bezerra da Silva e continuamente inseriu samba na discografia do Planet Hemp – agora é alvo de pesquisas, experimentações e inovações. “Gostaria de ter o meu samba”. Essa nova pegada é também um chamamento para o público mais novo a curtir o ritmo tradicional brasileiro de origem afro. “É um disco experimental com uma proposta de um novo samba tradicional”, define o artista, que há muito faz trabalho solo em paralelo ao seu projeto inicial, o Planet Hemp, que o alçou ao mainstream. O rap onipresente no Planet Hemp agora se tornou uma pitada, um tempero dentro do samba.

Marcelo conta que vive um momento fértil de criação musical. “Nos últimos anos percebi que o grave eletrônico que o rap propôs vem dominando a música pop”. E esse foi o elemento-GPS a guiá-lo no caminho do samba tradicional. “O grave eletrônico usado no rap há 50 anos não existia ou era muito pouco visto no samba, que sempre teve o grave orgânico do surdo em sua base”.

 Foto: Divulgação

Refletindo sobre a música de maneira geral e o mercado, Marcelo constata: “A revolução digital é maior que a revolução industrial. Nunca ouvimos tanta música como hoje em dia”, diz, referindo-se às plataformas digitais, os streamings que disseminam a produção musical, e às tecnologias que possibilitam a qualquer pessoa com um bom computador gravar um disco.“É claro que quero vender. Mas tem que ter um propósito maior do que ser escravo de um algoritmo”. Esse sentimento dúbio provocou no artista uma crise criativa. “De 2013 a 2018 não lancei nada. Estava cansado”. Nessa época chegou a pensar em se mudar para Los Angeles (EUA) e abrir uma floricultura. “Agora estou me sentindo um garoto indo atrás dessa ideia de fazer um novo samba. O que está acontecendo agora é como uma raiz de uma árvore que dará muitos frutos”, compara.

Entusiasta da música pernambucana, em especial do Manguebeat, D2 conta como conheceu Chico Science. “Estava em um bar, em 1993, no Rio de Janeiro, tocando para umas 100 pessoas e vi uns caras com aquele chapéu coquinho de palha e reconheci Chico e Jorge Du Peixe. Fizemos uma jam session tocando Public Enemy”. Certa vez encontrou a banda Chico Science & Nação Zumbi em estúdio, ouviu o som pela primeira vez e percebeu que a música brasileira havia sido levada a outro nível. “Pensei: a gente vai ter que melhorar muito para tocar como eles. No futuro olharemos o Manguebeat com importância tão grande quanto a Bossa Nova e a Tropicália”, reflete Marcelo. Os olhos se enchem de lágrimas ao lembrar do amigo falecido. “Se Chico estivesse aqui… Ele fez tudo o que fez com apenas dois discos!”.

CAROLINA BOTELHO, jornalista e repórter da Continente

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