Curtas

O futuro do museu: 28 diálogos

Em linguagem acessível, livro reúne entrevistas com 28 gestores de instituições de arte dos cinco continentes, com experiências diversas

TEXTO Olívia Mindêlo

01 de Março de 2023

O Masp, sob direção de Adriano Pedrosa, é o único museu brasileiro presente no livro

O Masp, sob direção de Adriano Pedrosa, é o único museu brasileiro presente no livro

Foto Eduardo Ortega/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 267 | março de 2023]

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Diz o dito popular que “quem vive de passado é museu”, mas a realidade é que os museus vivem bem mais do presente-futuro. Eis aí uma premissa que atravessa parte significativa das instituições museais no mundo, ao contrário do senso comum difundido. Os espaços contemporâneos, sobretudo, configuram-se lugares vivos, que se reinventam a cada instante e estão sempre a desafiar a noção de tempo. Focados em um intenso planejamento e busca por parcerias, pautam-se por novas ideias e projetos. Também, pela preocupação em não apenas seguir existindo, mas fazer valer a sua relevância social e cultural hoje e pelas próximas gerações – mesmo que cuidem de acervos antigos.

O interessante é que, ao adentrar as páginas de O futuro do museu: 28 diálogos (Cobogó, 2022, 400 pp), de András Szántó, ficamos sabendo, por diretoras e diretores de instituições de arte dos cinco continentes, que esse amanhã não é gestado pela sanha de aparatos tecnológicos, mas por um ideal demasiado humano. O que move esses gestores, no geral, é a atuação de pessoas para pessoas – a tecnologia seria antes um meio. Se depender das atuações, dos desejos e planos abordados nessas conversas boas de ler, os museus de arte do futuro serão espaços para a gente ser gente, nos múltiplos e diversos sentidos dessa ideia.

Talvez pelo fato de os diálogos terem sido realizados entre maio e agosto de 2020, em plena convulsão da Covid-19 e quando os museus nem podiam vislumbrar uma reabertura, a urgência do encontro, a importância do espaço físico e o propósito de oferecer um olhar mais reflexivo e contemplativo ao cotidiano das gentes, sobretudo urbanas, marcam essas falas, repletas de afetividade e entusiasmo – não nos esqueçamos do papel da arte/cultura no período de confinamento. “É inevitável que este livro reflita um momento particular – mas ele, definitivamente, não é sobre esse momento. O objetivo era investigar o futuro em um período em que estávamos parados”, antecipa o autor na Introdução.

“O que mais surpreenderia nos museus do amanhã?”, pergunta Szántó à diretora do Museu de Arte Moderna de Buenos Aires (Argentina), Victoria Noorthoorn, que então responde: “A vitalidade. O museu do amanhã é um espaço revigorante, ativo, vivaz, vivo. Um espaço em que descobrimos que a fantástica força da arte não é algo distante ou utópico, mas próximo de nós. Um lugar divertido. Um espaço do qual, se tudo der certo, você não vai querer sair”. A fala é de quem acredita nos artistas como os verdadeiros motores do mundo e nos espaços museais, como escola, ateliê e agente de cura, “libertador para a imaginação”. Uma das falas mais inspiradoras desse livro, Victoria é alguém que sonha com uma cidade-museu, não com um museu na cidade, que seria, no mundo ideal, toda “concebida artisticamente”.

“Então, qual é o museu que você deseja ver se desenvolvendo? Com o que ele se parece e que sensação ele provoca?”, questiona o escritor à gestora africana Koyo Kouoh. “Antes de tudo, um museu que seja espaço para encontros. Um espaço para reunir pessoas em torno da arte e dos artistas”, diz a diretora-executiva e curadora-chefe do Museu Zeitz de Arte Contemporânea da África – o Zeitz Mooca. Ao sentir falta de acompanhar o processo de criação artística nas instituições, uma de suas primeiras ações no espaço da Cidade do Cabo, na África do Sul, foi levar todo o estúdio de Kemang Wa Lehure, “um jovem artista excelente”, para dentro da instituição.

Uma das qualidades de O futuro do museu é justamente o compartilhamento de experiências interessantes, engrandecedoras para seus lugares e suas culturas, porém com potencial inspirador para pessoas de outros cantos do planeta – para além do campo museológico, inclusive. Porque os diálogos não se resumem a partilhas sobre o futuro; as conversas nos fornecem vivências do presente, que certamente vão reverberar no amanhã, mas, antes disso, chegam como um rico e diverso conjunto de ideias e aprendizados que ensinam sobre gestão criativa na prática, e para o presente instante.


Imagem: Divulgação

Em linguagem acessível, os depoimentos das 28 lideranças desses 28 espaços de arte – a maioria já consolidada na rede globalizada de museus – nos apontam ainda para o papel importante dessas instituições como potenciais agentes de transformação social, de onde podemos refabular muitas das histórias que conhecemos, sobretudo no (e desde o) Ocidente. Se o mundo muda, o museu deve acompanhar – e é também dele a responsabilidade de contribuir para atualizar sentidos e significados que guiam nossas opiniões, decisões e ações.

Daí porque alguns entrevistados da publicação estão convictos de que o museu do futuro está nascendo hoje do “Sul Global” e não mais da Europa ou América do Norte, que vai deixando, aos poucos e lentamente, de ser o epicentro do campo artístico e museológico. “Eu espero – eu desejo – que novos modelos de museu surjam do continente africano. Nosso contexto requer que pensemos para além dos muitos padrões fixos dessa área de atuação. Acredito firmemente que os recursos limitados com os quais lidamos – pois simplesmente não temos o mesmo apoio cultural que existe em outros contextos – nos desobrigam de agir como agem em outros lugares”, afirma Koyo Kouoh.

Essa particularidade de estar fora do eixo – ou seja, de quem “entende o paradigma, mas ainda assim está distante dele”, como diz o autor – parece ser um ponto crucial a destravar o muito do que se cristalizou no passado como “museu”, cujo conceito se alarga tanto quanto o número de instituições. O próprio Conselho Internacional de Museus, o Icom, se reuniu, ainda em 2019, no Japão, com a missão de renovar o significado do termo frente a este tempo de rápidas transformações.

Ao lermos o livro, vem a constatação de que os futuros dos museus – no plural soa mais adequado – ou os presentes (já acontecem e são um presente, uma semente de amanhã) – estão mais nas mentes e menos nos espaços físicos fechados que conhecemos. Estão na experimentação, nas culturas locais, em outras epistemologias, na troca com áreas diversas da sociedade, nas colaborações entre instituições, nas proposições para aumentar o acesso ao público (questão histórica e estrutural), nas pesquisas, na relação com as mudanças climáticas e o meio ambiente, nas sugestões de novos estilos de vida, no estímulo à imaginação e às emoções, na gestão feita por mulheres (metade das lideranças da publicação) e mesmo em uma ideia completamente nova de museu, sem paredes ou até sem a primazia da institucionalidade. Se for pelo caminho da arte e da diversidade cultural, os museus serão organismos surpreendentes, mutantes e diferentes entre si.

OLÍVIA MINDÊLO, jornalista cultural, editora da Continente Online.

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