“Um filme se realiza na tela. Um podcast se realiza dentro da cabeça de quem ouve. Nenhuma imagem é mais rica do que a que você cria dentro da sua cabeça. É o melhor lugar para algo acontecer.”
A constatação que Alexandre Potas expressa acima – e presente em sua fala inicial do painel Cada vez mais podcasts (na programação do 7º Rio Music Market, realizado na última semana, no Rio de Janeiro) – é tão simples quanto essencial para entender o crescimento do fenômeno podcast ao longo dos últimos anos. Ou ao menos parte de sua “mágica”, palavra usada por este que é coordenador de produção da B9, uma das maiores produtoras de programas de áudio para smartphone (principalmente) do país, com produtos como Mamilos e Braincast.
Mediada por Cris Garcia Falcão (ABMI), com a presença do próprio Alexandre Potas, de Renata Gomes (consultora de marketing, produz o podcastVocê faz o quê?, sobre profissões do mundo da música) e de Fábio Silveira (do Fast Forward, dedicado ao mercado fonográfico), a mesa tocou em pontos centrais do “tema da moda” – como foi apresentado o painel. A expressão não é exagerada – a “moda” se sustenta em números poderosos, especialmente no Brasil. A Deezer registra um crescimento do podcast no país de 177% nos últimos 12 meses – uma pesquisa encomendada pela empresa mostrou que, de maneira geral, entre usuários de plataformas streaming, o aumento no período foi de 67%. No Spotify, a audiência brasileira do formato vem aumentando em média 21% por mês, desde janeiro de 2018. A pesquisa Podcasts Stats Soundbites põe o Brasil como segundo mercado consumidor de podcasts no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
“Isso tem um valor econômico fortíssimo. Nos Estados Unidos, para termos uma ideia da grandeza, o mercado de podcasts cresceu, entre 2018 e 2019, de US$ 480 milhões para US$ 680 milhões”, pontuou Renata. A popularização do hábito de ouvir podcast se deve, em grande parte, à natureza do meio – que, apesar de demandar atenção, permite que você escute enquanto executa tarefas mecânicas e cotidianas.
O podcast Foro de Teresina, da revista Piauí. Foto: Divulgação
“Ninguém tem mais tempo, todo mundo compete pela atenção de todo mundo. E o podcast é algo que você pode consumir enquanto lava louça, enquanto se desloca pela cidade no metrô”, afirmou Potas. “Você pode ver Game of thrones no celular dentro do metrô também. Pode, mas não deve. O dinheiro investido ali foi para que você visse numa boa TV. O podcast só precisa de um fone.”
A própria forma como cada um ouve os programas acaba sublinhando ainda mais o caráter íntimo e personalizado da experiência. “Eu adoro ouvir podcasts de política enquanto corro, porque fico puto e corro mais ainda”, brincou Fábio Silveira.
PUBLICIDADE O mercado publicitário e as marcas brasileiras, porém, ainda não se deram conta das possibilidades do podcast. Sobretudo se levarmos em conta que 62% da audiência no país dedicam de duas a quatro horas de seu dia a ouvir material nesse formato – segundo aponta a edição mais recente da PodPesquisa, realizada, em 2018, pela Associação Brasileira de Podcasters (ABPod). E que 91,7% escutam os programas do início ao fim, como afirma o mesmo levantamento.
“É uma taxa de retenção enorme, que não existe em nenhum outro meio. E, muitas vezes, são programas de mais de uma hora e meia”, atentou o responsável pelo do Fast Forward, que vê no comportamento do ouvinte de podcasts o grande atrativo do formato para os anunciantes. “O podcast é uma experiência muito íntima. As pessoas ouvem no fone, não é algo social. Muitos ouvintes dizem ouvir para ter companhia. O podcast é tudo menos impessoal. E essa é a melhor forma de vender.”
Potas reforçou: “Um influencer de podcast falar de sua marca vale muito mais do que se um instagrammer fizer o mesmo. Isso que o mercado precisa entender, é uma falha dos anunciantes. Mas os agregadores também falham ao não oferecer métricas melhores para termos um panorama real do podcast no Brasil. E nós, produtores, estamos falhando em não oferecer mais formatos para além da conversa”.
As âncoras do Mamilos, podcast da B9. Foto: Divulgação
HORIZONTES Hoje, no Brasil, os podcasts mais populares seguem esse formato de conversa de especialistas sobre um tema – seja na linguagem descompromissada do “nerdcast” (sobre cultura pop), seja com a seriedade do “xadrez verbal” (de política). Mas produtos que investem em construção de narrativas (storytelling), com uso de sonoplastia e roteirização mais cuidadosa, têm se destacado. Um exemplo citado no painel é o Projeto humanos, dedicado a contar histórias reais desdobradas em muitos episódios.
Podcasts no formato storytelling já geram derivados no big business do audiovisual norte-americano. As séries Homecoming, da Amazon Prime (com Julia Roberts no elenco), e Unbelievable, da Netflix, nasceram de podcasts, como notaram Potas e Silveira no painel.
O futuro do podcast no Brasil, portanto, se mostra promissor, mas o coordenador de produção da B9 mostra cautela com o otimismo exagerado: “Esse crescimento do podcast não vai se sustentar assim. Os números, em algum momento, irão cair e encontrar uma estabilidade em algum lugar no meio. A impressão é de que tem muito mais gente fazendo do que ouvindo podcast, basta notar que apenas 1% dos podcasts brasileiros têm mais de 10 mil plays.
A migração de youtubers e instagrammers para o podcast também foi problematizada no debate: “Por um lado é bom, porque leva a audiência dessas pessoas para o podcast, muita gente que não conhece o formato. Mas é muito importante que se forme uma geração de podcasters, nascida no meio, porque eles que vão desenvolver linguagens, inovar. Até porque a linguagem do YouTube, por exemplo, não é a mesma do podcast”, avaliou Silveira.
Gravação no estúdio do Braincast. Foto: Divulgação
Há ainda muitas perguntas no horizonte do podcast no Brasil. Um dos aspectos mais nebulosos é o uso de músicas, ainda não regulamentado – representantes de sociedades de direito autoral e especialistas em propriedade intelectual presentes na plateia do painel não se arriscaram a fazer prognósticos sobre como isso funcionará num futuro breve. Natural num meio desenvolvido tão recentemente… “A única certeza é que todos nós estamos aprendendo. É tudo muito novo”, concluiu Potas. “Se alguém disser que é especialista, corre.”
--------------------------------------------------------------------------------- *Em tempo: para quem não é ouvinte de podcasts, é possível ter acesso aos programas em aplicativos de streaming como Spotify, Deezer, Google Podcasts, Apple Podcasts e até Youtube. ----------------------------------------------------------------------------------
LEONARDO LICHOTE é repórter e crítico musical. Assina o texto final do livro Minha fama de mau, com memórias de Erasmo Carlos. É autor dos textos críticos que acompanham a caixa de Chico Buarque De todas as maneiras. Desde 2018, apresenta a série Cria, no Manouche, de encontros com compositores. Integra o júri do Prêmio da Música Brasileira e o Super Júri do Prêmio Multishow.