Curtas

O forró pop de Jáder

Cantor e compositor pernambucano lança primeiro disco solo, 'Quem mandou me chamar???', reunindo repertório de músicas voltadas para o gênero musical, com uma abordagem eletrônica

TEXTO Maria Carolina Santos

28 de Julho de 2023

Disco de Jáder foi concebido, produzido e gravado durante o auge da pandemia

Disco de Jáder foi concebido, produzido e gravado durante o auge da pandemia

Foto UHGO/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

São pouco menos de 30 minutos de um disco redondinho, cheio de balanço, aperto, amor e desejo. Em seu primeiro álbum solo, o pernambucano Jáder apresenta 11 músicas rápidas com refrões que grudam como chiclete e ritmos para dançar coladinho. Quase um ano depois de debutar no mundo do streaming, Quem mandou me chamar??? finalmente chega no seu formato físico em CD, com um belo encarte com as letras das músicas e ensaio de fotos.   

Sem cair nas eternas discussões sobre o que é ou o que não é forró, Jáder não tem a menor cerimônia em apresentar Quem mandou chamar??? como um álbum do gênero. E aí não cabe (tanto) a tradição gonzagueana. Mas o que veio lá dos anos 1990 e 2000, cheio de batidas eletrônicas, e se cristalizou como forró para um público então jovem e urbano. E se expande aqui neste disco misturado com o piseiro, os bregas (paraense e recifense) e o reggaeton.

Filho de Fábio Cabral, dono de uma das poucas lojas de discos do Recife, a Passa Disco, Jáder cresceu cercado de muita música popular brasileira e pernambucana. E daí veio a influência de Amelinha, Elba Ramalho, Lenine, Terezinha de Jesus. Como integrante das bandas Projeto Sal e Mulungu, enveredou pelo rock brasileiro. “Mas cresci também vendo os programas de auditório da televisão recifense. O primeiro disco que eu comprei na vida foi da banda Magníficos. Era algo que eu tinha muito forte dentro de mim, mas nunca tinha buscado”, conta em entrevista para a Continente, em uma cafeteria na zona norte do Recife. 

Em 2020, Jáder decidiu focar em uma carreira solo e pensou em um disco de forró, mas com algo da música eletrônica, como já havia feito nas bandas em que cantou. Aí veio a pandemia e, ouvindo Zé Vaqueiro sem parar, mudou a chave do seu disco. Queria, sim, forró, mas algo definitivamente pop e ousado. Quem escuta o álbum, de cabo a rabo, não deixa de perceber que há ali uma mesma voz, em diferentes fases de desejo: Jáder criou uma personagem para o disco, que batizou de Namoradeira. “O forró é uma dança a dois, que já sugere uma sensualidade. Mas sempre vi sendo escrito de uma perspectiva heterorromântica. E com a mudança do forró só passou do vaqueiro de cavalo para o da Hilux. E esse disco, que é queer, foi uma forma de quebrar isso”, conta. 

Quem mandou chamar??? foi concebido, produzido e gravado durante os meses mais medonhos da pandemia. Mas ele é uma fuga de tudo isso: é alegre, alto astral e um convite para cantar e dançar junto. O disco abre com Eu digo não, que surge com uma voz aveludada em uma canção romântica e aí explode nas batidas do piseiro. Uma delícia. A música título do álbum tem a participação de ninguém mais, ninguém menos que Riquelme Batera, ex-baterista da banda Aviões do Forró, um dos responsáveis pela assinatura do forró eletrônico. “Estava com Guilherme Assis e Barro (produtores do disco) de noite no estúdio e aí estava tocando “quem é o gostosão daqui…” e Riquelme fazia um solo memorável. Guilherme sugeriu que a gente chamasse ele para o disco. Na hora, mandei mensagem para o perfil dele no Instagram. No outro dia, Riquelme me respondeu de forma muito carinhosa, um fofo”, lembra Jáder. 

Parte das parcerias foram feitas à distância, por conta da pandemia. Além de Riquelme, tem Johnny Hooker, uma inspiração para Jáder, e as cantoras Jéssica Caitano, fazendo repente em Te dar, e Uana, que, além de brilhar em Falso encanto, fez todos os backing vocals do álbum.

Para tentar levar o disco mais longe, Jáder montou uma estratégia de guerrilha. Uma entrevista de Marília Mendonça martelava na cabeça do artista: a sertaneja citava que o investimento inicial para uma carreira pop era coisa de R$ 1,5 milhão. O dele foi de apenas R$ 60 mil, pelo Funcultura. Para tentar furar a bolha que o colocou na caixinha de disco LGBTQIAP+, Jáder mapeou as playlists populares de forró e mandou mensagens para os donos, apresentando o disco dele. “Foram mais de 60 playlists e, das que responderam, a maioria falou que não trabalhava com música LGBT. Eu respondia ‘mas é forró!’, porque LGBT não é um gênero musical. É um disco de forró, cantado por uma pessoa LGBT”, reclama.

A música que canta com Johnny Hooker, Larga esse boy, chegou a entrar em uma grande playlist de forró do Spotify, a Meu país Nordeste. Apesar das muitas portas fechadas, Larga esse boy, que também está no disco mais recente de Hooker,  já passou de um milhão de plays no Spotify. Mas o que Jáder gosta de usar como termômetro para o disco é ouvir o público cantando nos shows. “Ficou muito chato essa história de música ser só play, é para fazer arte, fazer o que se gosta. Me diverti muito fazendo esse disco.”

No forró que se propôs, Jáder fez um disco muito bem-sucedido. Na voz (e, principalmente, na estrutura de marketing) de um Xand Avião ou de um Zé Vaqueiro, Larga esse boy iria fácil para as mais ouvidas nas rádios e streamings. Eu gosto é outra que evidencia o talento de compositor radiofônico de Jáder, com um refrãozinho pegajoso de duplo sentido. A balada Falso encanto tem levada de brega recifense, com metais românticos. Emoji de beijo :* é um autêntico xote romântico e, ao lado de Te dar, é a mais forrozeira do disco. 

Desde que lançou Quem mandou chamar??? no streaming, Jáder já soltou quatro singles. E, por ora, não quer mais seguir no forró. “Se eu fosse pensar em uma perspectiva de carreira para, por exemplo, abrir um show de Zé Vaqueiro, isso não aconteceria. Não agora. O público não aceita (um artista LGBTQIAP+), as distribuidoras também não aceitam. Só se fosse algo muito fora da bolha. Dei tanto murro em ponta de faca para o forró me aceitar, mas não adiantou. Talvez um dia adiante, mas vou me permitir agora ir para um pop sem muitos rótulos”, explica. Quem perde é o forró.

MARIA CAROLINA SANTOS, jornalista.

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