O circo voltou
Do diretor Paulo Caldas, o filme celebra o artista circense Zé Wilson
TEXTO Laura Machado
10 de Abril de 2023
Zé Wilson e a família
Foto Fred Jordão/Divulgação
[conteúdo exclusivo Continente Online]
“A gente do circo é do mundo, não é de nenhum lugar e é de todos os lugares”, anuncia o jovem Pedrinho logo nos primeiros minutos do longa O circo voltou, dirigido pelo cineasta Paulo Caldas, com produção de Barbara Cunha. Em cartaz no Cinema da Fundação, no Recife, o filme é uma ode ao circo e a sua capacidade de união, ao mesmo tempo em que funciona como uma celebração da vida de José Wilson, conhecido como Zé, pai de Pedrinho, e circense de família, a frente do Circo Spadoni e criador da Escola de Circo Picadeiro.
Descrito pelo próprio diretor como um documentário que, por vezes, até se assemelha a uma ficção, o filme conta a história íntima de Zé Wilson com o circo, ao mesmo tempo em que acompanha toda a trupe Spadoni em sua jornada para a apresentação no município de Major Isidoro, no sertão de Alagoas, a cidade natal do circense. Durante as longas viagens pelas estradas e as diversas paradas para apresentações no percurso até o destino final, a narrativa sobre a vida de José se desenrola naturalmente, sendo contada pouco a pouco, de conto em conto, relato em relato… até passar pelas mais variadas façanhas e estórias desde seu início no circo da família até a atualidade, quando se tornou o grande líder por trás do picadeiro.
O Circo voltou é uma obra fundamentada na necessidade do circo como arte que resiste às adversidades, ao descaso e ao tempo e, por isso, a presença do filho de Wilson é uma singela forma de representar as novas gerações. Pedrinho tem algumas de suas falas reverberadas na tela e marcam o caminho da trupe na jornada. “Ele é um grande artista circense, e ele significa e simboliza a continuação do circo, uma sucessão. Pedrinho está seguindo os passos do pai, realmente ama muito o circo e nós achamos que esse olhar da criança sobre as viagens e sobre tudo seria uma forma de narrar de um jeito inusitado e atraente para o público”, afirmou o diretor Paulo Caldas, antes de finalizar: “Ele nos conquistou também, com a empatia pelo público, o amor pelo circo, pelo pai, pela coisa toda… a gente achou que isso ajudaria o filme a ter um lado mais transcendental”.
Cartaz do filme O circo voltou, do diretor Paulo Caldas. Imagem: Divulgação
A arte circense é uma manifestação cultural em constante ameaça no Brasil e, sem muitos editais voltados às trupes e/ou apoio financeiro estatal, é uma tarefa árdua manter um circo como o Spadoni, que surgiu nos anos 1970 e segue se apresentando pelo país 50 anos depois. Além disso, a produção cinematográfica do longa, apesar da estreia em 2023, foi realizada em dezembro de 2019, alguns meses antes da pandemia do coronavírus começar e trazer ainda mais dificuldades para os artistas circenses.
“A área cultural foi perseguida violentamente nos últimos quatro anos e foi também violentamente atingida pela pandemia, a economia da cultura e economia criativa. Dentro dessas áreas, o circo é o que sofre mais, porque geralmente não tem apoio governamental, estatal de nada e eles vivem do espetáculo que não podia existir naquele momento, então foi muito forte”, explicou Paulo.
José Wilson, além de ser um dos mais importantes e significativos artistas do cenário do circo brasileiro atual, é também um representante ativo da comunidade de artistas circenses e atua ativamente com políticas culturais, a exemplo da criação da Escola de Circo Picadeiro, localizada em São Paulo e com quase 30 anos de atuação. Desde o berço envolto no mundo do circo itinerante, o personagem central da trama é um apaixonado pelas artes em suas multiculturalidades e formas, um homem sem medo de lutar pelo circo e afirmar constantemente em suas ações e discursos a significância do trabalho realizados pelas trupes espalhadas por todo o território nacional.
O longa acompanha a trupe até a cidade de Major Isidoro.
Foto: Fred Jordão/Divulgação
Com a trupe e a família de José Wilson sendo representados, O Circo voltou é mais do que uma visitação à vida de um dos maiores mestres circenses nacionais, é uma investigação da história do circo como manifestação artística plural de resistência e uma celebração de gerações envolvidas pelo circo.
LAURA MACHADO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estágiaria da Continente