O cantorparaibano Genival Lacerda, último nome da segunda geração do forró, falecido nesta quinta (7/1), em consequência da Covid-19, completaria 90 anos em abril deste ano. Estava internado desde o dia 2 de dezembro, num hospital do Recife, e ainda se recuperava de um AVE (Acidente Vascular Encefálico), sofrido em maio de 2020. Apesar de ter diabetes e hipertensão, o cantor recebeu alta do hospital consciente, sem maiores sequelas, e mostrava progresso na evolução do seu quadro clinico. Foi levado pelo filho, o cantor João Lacerda, a um hospital na Praça Chora Menino, na Boa Vista, a princípio, devido a um pico das taxas de glicose e problemas respiratórios. Os médicos constaram que o cantor tinha contraído o novo coronavírus com comprometimento dos pulmões.
Genival Lacerda começou a gravar pela Rozenblit em 1956, data de seu primeiro disco – à época de 78 rotações –, e seguiu na gravadora pernambucana até 1962. Como acontecia até os anos 1970, os forrozeiros interpretavam as várias vertentes compreendidas no coletivo forró, xotes, xaxados, baiões etc. Mas Genival se popularizou igualmente pela performance histriônica, que lhe deu o epíteto de “O Rei da Munganga”. Sua carreira e estilos mudaram de rumo com o fenomenal sucesso do xote Severina xique-xique, assinado por ele e João Gonçalves e lançado em 1975, quando o duplo sentido era a pedida no forró.
Mas a carreira dele já acumulava mais que seis décadas: “Comecei em Campina Grande em 1953, programa de calouros, depois passei pra efetivo na Rádio Borborema, ganhando 300 mil réis por mês. Primeiro gravei na Rozenblit, mas lá você gravava baião e recebia em choro”. Contemporâneo artístico (era bem mais jovem), de Jackson do Pandeiro, foram até contraparentes. Severina, irmã de Jackson foi casada com dois irmãos de Genival Lacerda: “Ela casou com Zé Lacerda, meu irmão. Ele morreu, e ela casou com outro irmão. Não queria sair da família mesmo”, brincou “Seu Vavá”, outro de seus apelidos.
Quando Severina xique-xique estourou país afora, em 1975, Genival Lacerda já estava gravando há 13 anos e, depois da Rozenblit, lançava seu primeiro LP, Meu Nordeste, pela Audience, no Rio de Janeiro. Até então, o paraibano de Campina Grande, com o também epíteto de “Senador do Rojão” (por causa do político carioca Carlos Lacerda), era um dos mais destacados nomes da segunda geração do forró. Foi rival de Marinês nos concursos de calouros na Rainha da Borborema e ambos deram os primeiros passos na carreira se apresentando nas emissoras campinenses.
Genival, no entanto, era um sucesso regional, não apenas como forrozeiro, fazia também personagens cômicos. Chegou a gravar um disco de humor com o ator Lúcio Mauro, que conheceu no Recife, na Rádio Jornal do Commercio – as Trapalhadas de Cazuza e seu Barbalho (com textos do recifense Luiz Queiroga, pai do compositor Lula Queiroga). O “Cazuza” era o personagem de Genival Lacerda, o disco é de 1970. Na época, o forró andava por baixo desde o início dos anos 1960. Nem o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, conseguia mais fazer sucesso no “Sul”. Genival estourou ajudado pela conjuntura política da época.
A partir do AI-5, em 1968, a censura partiu com para cima das canções enquadradas na sigla MPB. Compositores, feito Gonzaguinha, tinham discos inteiros proibidos. Músicas não raro passavam pela censura, chegavam às paradas e tinham a carreira de sucesso interrompida, com os discos recolhidos em todo o território nacional, como foi o caso de Apesar de você, de Chico Buarque, cujo conteúdo só foi entendido quando o Brasil inteiro cantava o samba.
Foi então que surgiram os falsos importados: cantores brasileiros que usavam nomes artísticos sonoramente saxônicos e compunham e gravavam em inglês. A censura não perdia tempo com quem cantava em inglês, e nem com os forrozeiros que começaram a fazer sucesso com músicas de duplo sentido, mas quase sempre empregando regionalismos que os censores desconheciam. Um bom exemplo é o refrão de Severina xique-xique: “Ele tá de olho/ é a na butique dela”, qualquer nordestino entenderia o duplo sentido da expressão.
Da lavra do compositor João Gonçalves, também de Campina Grande, vieram A filha de Mané Bento, Radinho de pilha e várias outras. Gonçalves firmou-se como principal fornecedor de sucessos para o conterrâneo. As centenas de milhares de discos vendidos, os convites para shows por todo o país e a presença constante na TV levaram Genival Lacerda a continuar no que estava dando certo e a deixar as raízes do forró, com algumas exceções, nos seus discos da década de 1960 (todos fora de catálogo). Ele foi, por exemplo, o primeiro a gravar, em 1960, o rojão Eu vou pra lua, do pernambucano Luis de França, que depois tornaria Ary Lobo famoso.
Independente do repertório, Genival Lacerda, 89 anos, era o último remanescente, até então em plena atividade, de uma geração de forrozeiros que veio logo em seguida a Luiz Gonzaga, Coronel Ludugero, Marinês, Abdias, Jacinto Silva, Elino Julião ou Zito Borborema. E foi o mais longevo, a receita ele mesmo dava: “Comedor de cuscuz com leite do peito da vaca e queijo de coalho não se derruba fácil”.
JOSÉ TELES, escritor e jornalista formado em 1991, pela Unicap. Foi crítico de música do Jornal do Commercio de 1987 a 2020 e já escreveu sobre o assunto em diversas publicações pernambucanas e de outros estados, incluindo de fora do país também. Tem cerca de 40 títulos publicados, entre livros infantojuvenis, de crônica e sobre música popular.