Curtas

Ô, ô, ô, Saudade do Recife e de Antônio Maria

TEXTO Marcelo Pereira

10 de Fevereiro de 2024


Finalmente, meu frevo, que se chama Recife”, foi gravado na RCA Victor pelo Trio de Ouro. Era uma música de roda dos meus amigos, mas, de agora em diante, pertence aos pernambucanos que estão longe, que sentem viva, tinindo no coração, a saudade de sua terra. Quando as lembranças de velhos carnavais vierem assaltar sua cabeça, moça de Pernambuco, bote o meu disco na vitrola e veja os estandartes do Vassourinhas, bordados em ouro sobre o veludo violentamente encarnado das bandeiras carnavalescas de lá. Em setembro sairá o disco, onde o Trio de Ouro apareceu com uma vocalização das mais bonitas.”

O cronista pernambucano Antônio Maria havia chegado ao Rio de Janeiro para fixar-se definitivamente havia dois anos e se dividia entre a produção dos programas na Rádio Tupi e a coluna sobre o rádio em o Jornal, onde publicou em 15 de agosto de 1951, a nota acima para divulgar a gravação de Recife (que ficaria conhecido como Frevo nº 1 do Recife).

No primeiro dos três frevos que compôs para a sua cidade natal, Maria recordava dos amigos e blocos que faziam parte da sua afetividade. “Ô ô ô saudade/ saudade tão grande”, lamentava o cronista, lá longe, no Rio de Janeiro, para reconhecer no fim: “O Recife está dentro de mim”.

O lançamento do frevo num disco de 78 rotações pelo Trio de Ouro, em sua segunda formação – com Herivelto Martins, Nilo Chagas e Noemi Cavalcanti, no lugar de Dalva de Oliveira, que havia se separado de Herivelto – deve ter sido uma alegria imensa para o inseguro e grandalhão Maria.

O compositor em início de carreira – havia lançado Hoje não, parceria com José Gonçalves, da dupla Zé e Zilda, que a gravou em 1949 num 78 RPM pela Star – Maria estava grato a Herivelto. Bem ao seu estilo, troçava em sua coluna de rádio, sem perder a oportunidade de fazer propaganda de si mesmo: “Disse Herivelto ter o melhor repertório carnavalesco para 1952. Araci disse a mesma coisa. Dircinha, idem. Dáo também. Como é que pode?”

O disco foi lançado em setembro, tendo na outra face Três de Julho (parceria de Herivelto com Benedito Lacerda). Mais uma vez comentando em sua coluna a sua “música saudosista”, por insegurança ou modéstia, Maria não acreditava que se transformasse um sucesso no carnaval do Sudeste. “Não temos a menor esperança de que o frevo pegue, aqui no Rio. Mas é uma gravação para todos de Pernambuco ter e tocar, na vitrola, quando apertar a saudade. A gravação é RCA Victor e foi feita com a orquestra de Zacarias em Pernambuco. Desde agora já foram vendidos 1.500 discos que são entregues no começo de outubro. A outra face ajudará muito, pois é um samba de Herivelto falando do Decreto Vargas sobre os homens de cor.”

Antônio Maria demoraria mais três anos para lançar o Frevo nº 2 do Recife, com o conterrâneo Luiz Bandeira, para a Continental (também 78 RPM), fechando a trilogia em 1957 com o Frevo nº 3 do Recife, gravado pelo maior intérprete do gênero, Claudionor Germano, em selo Mocambo (Rozenblit), com a Orquestra da Polícia Militar de Pernambuco.

Neste Carnaval que toma conta das ruas do Recife e Olinda, Antônio Maria se faz presente, 60 anos depois de sua morte (em 15 de outubro de 1964), no coro dos foliões saudosos e da juventude que aprenderam a amar suas canções nos bailes e em desfiles de blocos líricos.



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