Curtas

Novos centros de força e novos diálogos

Instituto Oficina Francisco Brennand comemora quatro anos de atividade reabrindo ao público os Salões de Esculturas e inaugurando novas exposições

TEXTO Mariana Oliveira

06 de Outubro de 2023

'Núcleo Saturno' resgatou o uso de tapetes cerâmicos para apresentar algumas obras

'Núcleo Saturno' resgatou o uso de tapetes cerâmicos para apresentar algumas obras

Foto Rennan Peixe/Divulgação

Foi na década de 1970 que o artista Francisco Brennand decidiu ocupar um trecho da propriedade de sua família onde funcionava a Cerâmica São João. Ali, no coração do bairro da Várzea, às margens do rio Capibaribe, ele ergueu sua Oficina, que talvez seja, em si, sua obra-prima. Pouco antes de seu falecimento, em 2019, a Oficina transformou-se em instituto, que recebeu, do próprio artista, por meio de doação, todas as instalações do espaço e um acervo de mais 2500 obras, além da reserva ambiental que circunda o lugar.

Entre as ações realizadas ao longo desses quatro anos, estão duas exposições na própria Oficina (De Brennand a Brennand e Devolver a terra à pedra que era) e uma atenção especial aos Salões de Esculturas que foram fechados por cerca de um ano, após as chuvas de 2022, de maneira preventiva para reparos estruturais. Neste sábado, 7 de outubro, das 10h às 17h, os Salões de Esculturas da Oficina voltam a estar abertas ao público – com bilheteria gratuita para todos na ocasião.


Os Salões de Esculturas estavam fechados há 18 meses. Foto: Rennan Peixe/Divulgação

Composto por dez ambientes expositivos, entre salas, corredores, fornos da antiga cerâmica e anfiteatro, os Salões de Escultura foram, ao longo dos anos, abrigando obras diversas do artista, entre esculturas e murais. Nesta reestruturação, a equipe curatorial repensou a forma de dispor e organizar esse acervo de cerca de 500 peças. “Tivemos uma preocupação em, ao mesmo tempo, preservar e dar continuidade a essa memória, ao que Francisco pensou para esses salões. Mas também imaginando formas através das quais essa memória pudesse ser oxigenada, criando espaços de experimentação”, explica a curadora Rita Vênus.  

A sala inicial apresenta o Núcleo Saturno, que reúne uma série de obras dedicadas à genealogia do deus pagão. “Francisco criava esses centros de força. Para além do ovo, ele foi criando outros centros de força dentro da Oficina vinculados a esses deuses pagões primordiais. A gente vai ver Vênus, Netuno, Mercúrio, se posicionando, criando órbitas em seu entorno. Esta exposição é mais um centro de força dentro da Oficina. Centro de força Saturno, esse deus do tempo e que tem uma ligação fundamental com trabalho do artista. Francisco costumava dizer que a obra entrava no forno um tanto medíocre e sai com 10 mil anos. Ele ocupou esse espaço por quase 50 anos carregando de tempo essas obras”, reflete a curadora.

As intervenções preservaram a memória do lugar. Foto: Rennan Peixe/Divulgação

As obras, nos dois primeiros salões, são organizadas numa órbita elíptica, como o anel que envolve o planeta Saturno. No centro da primeira sala, um núcleo de peças no entorno do qual orbitam outras tantas obras. Na segunda, a mesma disposição elíptica, mas com um núcleo vazio, colocando os visitantes neste centro gravitacional.

Na busca por essa relação com a memória, durante a pesquisa de um livro sobre a história da Oficina – que deve ser lançado em 2024 – a equipe curatorial descobriu fotos do final da década de 1970. Nelas as obras eram apresentadas sob tapetes cerâmicos, como se, com esse gesto, o artista quisesse  confirmar que a produção de cerâmica da fábrica não era diferente da produção das peças na olaria, eram uma obra só.  Olhando para essa história, algumas das obras do Núcleo Saturno (inclusive o próprio núcleo central) são apresentadas sobre tapetes cerâmicos formados por peças resgatadas dos galpões – algumas delas feitas num forno de túnel a óleo, desativado nos anos 1980.


O forno da antiga Cerâmica São João é um dos espaços que pode ser visitado. Foto: Rennan Peixe/Divulgação

EXPOSIÇÕES
Em novembro, o Instituto também se programa para trazer ao público novas atividades. Desta vez, com a abertura de duas exposições que vão ocupar o Estádio e a Accademia. O primeiro espaço vai receber a individual Capidançabaribénois, de Ernesto Neto, fruto de uma pesquisa do artista ao longo do rio Capibaribe (da nascente à foz). “Esse trabalho inclui três ritos. No dia 9, acontece o Rito de Travessia, quando essa grande escultura – que está sendo produzida por Ernesto no Rio de Janeiro – vai sair do Marco Zero em direção à Oficina de barco, pelo rio Capibaribe. Depois haverá o Rito de Montagem, já no Estádio, que pela primeira vez recebe uma exposição. No dia 11 de novembro, o Rito de Abertura”, adianta a gerente artística Olívia Mindêlo.

Já a Accademia vai abrigar a mostra coletiva Invenção dos reinos, com curadoria de Marcelo Campos, reunindo trabalhos de Brennand e de mais de 20 artistas. “A exposição teve como parte principal obras de Francisco Brennand, mas achamos importante ter uma relação com artistas pernambucanos, artistas indígenas e afro-brasileiros, de outras partes, de todo o Brasil. Entendemos que tem uma história desse território que ainda não foi contata. O ovo, a serpente, são pistas para essas histórias...”, explica Ariana Nualla, gerente de educação e pesquisa.

Todas essas novidades parecem caminhar pelo que desejava o artista, segundo o funcionário mais antigo da Oficina (66 anos de casa) Elcir Roberto. “Quando foi criado esse estádio, o pensamento dele não era para fazer festa. A primeira coisa que ele disse quando construiu foi: ‘isso aqui é para ter exposições de outros artistas, como também a Accademia. Ele queria que isso aqui estivesse sempre em movimento”, lembra. Nesses quatro anos de atividade, o Instituto parece dar sinais de que o tempo do movimento chegou.

MARIANA OLIVEIRA, jornalista e editora assistente da Continente

 

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