O autor construiu a obra focando nos diálogos.
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Ainda que possua uma vasta experiência com o direito criminal, Luís Francisco afasta qualquer ideia de que Newton transmita uma suposta insatisfação sua com o sistema. “Eu acho que a minha experiência como advogado criminal ajuda a formular esse caráter kafkiano do absurdo dos processos em Newton. Mas o personagem não está diretamente ligado à minha atividade profissional, digamos assim”, relata. Carvalho Filho também é um antigo colaborador da Folha de S.Paulo. Começou a atividade nos anos 1980 e permanece ligado ao jornal até hoje. Atualmente é colunista de Cotidiano.
“Eu costumo dizer, e digo com absoluta tranquilidade, que o jornal exerceu em mim uma influência muito importante na escrita, inclusive como advogado. Eu aprendi que eu tenho que escrever pouco, e em um processo industrial. E isso ajuda você a ser mais objetivo, a se livrar de coisas que não são essenciais”, detalha o escritor. Quando se refere ao livro, o autor prefere utilizar o termo “exercício literário”, ao invés de tratá-la como um romance, o que demonstra seu profundo respeito pela seara literária. “Eu acho que romance, do ponto de vista objetivo, seria uma coisa mais ampla, mais complexa, isso, na minha visão”, defende.
A opção por suprimir um narrador e deixar pontas soltas, sem resolução, durante a obra fazem parte de um experimento singular. O exercício literário torna o leitor uma espécie de cúmplice e investigador da história de Newton, um personagem ambíguo e misterioso por natureza. Apesar da óbvia relação com Kafka, na escalada nonsense e absurda da trama, Carvalho Filho aponta outro autor como seu norte na literatura. “Se eu tivesse que dizer qual é o escritor que mais causou impacto na vida, eu diria que é Dostoievski e, na literatura brasileira, Guimarães Rosa”, destacou.
Newton, inclusive, faz várias citações não aspeadas a Guimarães Rosa em diálogo com um crítico. Além da escrita e da leitura, a relação de Carvalho Filho com os livros se traduz no período em que dirigiu a Biblioteca Municipal Mário de Andrade, entre 2005 a 2008, em São Paulo, e, mais recentemente, no ano passado, na fundação da Editora Fósforo, da qual é sócio ao lado de Rita Mattar e Fernanda Diamant. “Isso aí já é um pouco fruto da velhice. Eu sempre fui advogado, amigo da Fernanda, que tinha essa ideia de fazer uma editora e eu, de repente, topei”, esclarece.
Mesmo sócio, seu objetivo nunca foi publicar suas próprias produções. O que só aconteceu por insistência da Rita Mattar, editora principal da Fósforo. “Eu não conhecia a Rita, o livro surgiu no meu processo de apresentação a ela”, enfatizou.
É salutar para a própria existência das artes, quando elas conversam entre si. A intersecção entre as múltiplas vertentes artísticas é o que as alimenta. Quando a literatura conversa com o teatro, ou a música com o cinema e vice-versa, ambas as expressões saem ganhando. Newton nasceu inserido nesse debate e com vocação plural.
“Eu acho que existe uma possibilidade de adaptação para o cinema ou teatro. O meu outro livro, Nada mais foi dito, foi adaptado para o teatro e teve uma carreira legal, com duas temporadas em dois teatros diferentes, então eu ficaria bem feliz”, comentou. Luís Francisco, que se apresenta e prefere ser chamado como Chico, garante que logo cedo irá começar a pensar em um próximo livro.
YURI EUZÉBIO, jornalista.