Se crise é uma das palavras-chave do momento em que vivemos, talvez ela seja uma condição intrínseca ao lugar do artista no mundo, ainda mais numa trajetória emergente. Ser artista é viver em crise, em todas as múltiplas formas de sua manifestação, pois “a” crise nunca é uma só: é política, econômica, existencial, simbólica, de representação. E é nesse contexto decisivo que chega ao Recife a 2ª Mostra Bienal Caixa de Novos Artistas, composta por um total de 37 obras e 30 “jovens” criadores de 12 estados do território brasileiro, depois de ter passado pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Fortaleza.
O termo “novo” ou “jovem”, nos critérios de avaliação do edital promovido pela instituição, não se refere ao tempo de vida dos participantes, mas, sim, a uma carreira que ainda não foi reconhecida – uma das regras é que seus inscritos nunca tenham realizado uma exposição individual, por exemplo. São artistas que ainda não estavam inseridos no circuito institucional, que é um importante agente de legitimação no campo das artes visuais. No contexto brasileiro, a produção de artistas emergentes permanece sujeita a poucos recursos e ações relativas ao seu incentivo e divulgação.
“Já durante o processo de seleção, venho percebendo fortemente, em um grande volume de artistas, uma atitude de denúncia e um olhar crítico sobre o que se está vivendo em sociedade. Isso mexeu muito comigo, pois hoje a população brasileira está sendo quase ‘convocada’ a debater e a se colocar, mesmo que não tenha o hábito em sua formação histórica”, conta a curadora Liliana Magalhães, sobre o processo de seleção do edital, que recebeu mais de 600 inscrições. “Vi questões sobre gênero, meio ambiente, racismo, ética e de engajamento em direitos humanos e direitos civis aparecendo fortemente na abordagem dos artistas inscritos. Existe um olhar de ator social crítico e consciente nos participantes da Mostra”, complementa.
De uma poética visual experimentalista, passando por diversas linguagens – da pintura à videoarte e ao objeto –, as obras estão conectadas na mostra através de suas relações com as cidades e a vida urbana no contemporâneo e divididas em cinco territórios simbólicos: o espaço natural, o espaço construído, o espaço político, o corpo e o outro. “Junto com essa reflexão do momento em que estamos vivendo, foi perceptível nas obras uma característica muito forte de influência do contexto das cidades em que vivem e transitam os artistas. É interessante o quanto a obra, a vivência e o discurso são um resultado dessas trajetórias pessoais de formação que eles têm na arte e de como eles se relacionam com o cotidiano na vida das cidades”, enfatiza Liliana.
A obra do artista João Paulo Racy, por exemplo é uma espécie de ‘performance’ da cidade: em vídeo, um viaduto construído durante as obras de revitalização da Zona Portuária do Rio de Janeiro, entre 2013 e 2014, implode e se reconstrói diversas vezes ao passo do som de uma respiração constante, como um grande pulmão da cidade.
Outro trabalho que pode ser conferido na exposição é o de Cecília Urioste, única pernambucana a integrá-la. Com duas obras presentes, Cecília aborda questões do corpo e de relações de poder sobre ele. Uma das obras, PonderaDOR, é um diário que teve início a partir de uma consulta médica, em que o médico instruiu a artista a fazer um diário por causa de uma enxaqueca crônica e anotar diariamente a intensidade de suas dores de cabeça numa escala de 0 a 10. “Hoje, nós estamos buscando soluções objetivas para problemas subjetivos. No meu trabalho como um todo, eu falo sobre dor. Existe uma dor que não é apenas física, é ‘da alma’. Na atualidade, quando temos dor difusa, da ‘alma’, tomamos antidepressivo, ou ansiolítico. É um paradoxo gigantesco, porque se tenta objetivar questões que não são ‘objetiváveis’”, reflete a artista pernambucana, que integra o núcleo de corpo da mostra.
A Mostra Bienal de Novos Artistas tem abertura no dia 27 de março, às 19h, na Caixa Cultural Recife, e segue até 27 de maio, com visitação de terça a sábado das 10h às 20h, e aos domingos, das 10 às 17h. A entrada é gratuita. Como dizia Mário Pedrosa, "em tempos de crise, é preciso estar junto aos artistas".