Curtas

Mombojó + Lætitia Sadier = Modern Cosmology

Projeto da banda pernambucana e da cantora francesa, ex-Stereolab, consolida parceria com o lançamento de 'What will you grow now?'

TEXTO Yellow

20 de Julho de 2023

Lætitia Sadier conheceu alguns dos integrantes do Mombojó em 2010, em vinda ao Festival Coquetel Molotov

Lætitia Sadier conheceu alguns dos integrantes do Mombojó em 2010, em vinda ao Festival Coquetel Molotov

Foto Divulgação

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A colaboração entre músicos brasileiros e estrangeiros já produziu obras consagradas mundialmente. Parcerias em discos históricos, como os de Stan Getz e João Gilberto, Tom Jobim e Frank Sinatra, Milton Nascimento e Wayne Shorter, angariaram indicações ao Grammy e contribuíram muito para a divulgação da nossa música. Historicamente, no entanto, os músicos pernambucanos não costumam realizar muitas parcerias com os gringos. Apesar da polinização cruzada constante do mangue, em que membros de diferentes bandas participam de faixas, produzem discos, criam projetos com artistas daqui e do resto do país, não é muito comum tirarmos som com “gente de fora”.

Isso traz uma importância a mais para o lançamento de What will you grow now? (2023), miniálbum da banda Modern Cosmology, que consolida a cooperação entre a francesa Lætitia Sadier e a banda pernambucana Mombojó.

Desde que a designer Cecília Torres (Zenzi), irmã do flautista O Rafa, emprestou aos, então, meninos uma fita cassete com o disco Dots and loops (1997), o Stereolab passou a ser uma referência para os sete integrantes originais do Mombojó. Isso aconteceu muito antes de a banda pernambucana gravar seu primeiro disco, Nadadenovo (2004).

Em 2010, Lætitia Sadier, cantora, multi-instrumentista e principal letrista do Stereolab (que estava, então, em hiato), veio ao Brasil, a convite do Coquetel Molotov, para promover seu disco solo The trip. No Recife, ela usou emprestado um amplificador do guitarrista Marcelo, para um show no Teatro Barreto Júnior, e em São Paulo, compartilhou um táxi e um jantar com o vocalista Felipe S e com o tecladista Chiquinho, que mal conseguiu conversar com ela em inglês, mas entregou um disco do Mombojó (Homem-espuma, de 2006) e se fez entender seu fã.

Apesar da enorme influência que sua antiga banda tem, Sadier não revisita muito as gravações antigas (a Stereolab voltou a fazer shows recentemente, mas não anunciou a criação de músicas novas). Os principais membros da banda eram ela e seu então marido, Tim Gane, um audiófilo inveterado, que dominava as sessões de gravação, transformando os discos da banda em rígidos projetos experimentais, algo estressante demais para Sadier, artista de alma leve e livre, que consegue fazer música com o que quer que esteja em suas mãos. Com a mesma desenvoltura, ela canta em várias línguas, toca percussão e sintetizadores. Canhota, toca guitarra com as cordas na posição destra – aprendeu pegando um ou outro instrumento solto no estúdio. Antes mesmo do término da Stereolab, mas não mais casada com Gane, deu início a uma prolífica carreira solo (primeiro com a banda Monade, mas logo lançando música em seu próprio nome), mostrando que a criatividade musical e as letras profundas e politizadas da Stereolab sempre vieram dela.

Alguns anos depois daquele primeiro contato, durante a gravação de Alexandre (2014), quinto álbum da Mombojó, o vocalista e guitarrista Felipe S recebeu uma mensagem de Lætitia pelo Facebook, dizendo que a música do Mombojó lhe despertava bons sentimentos, e que o microfone estava aberto para colaborações entre os músicos. Em pouco tempo, foram enviadas para a cantora, que estava em Londres, as faixas brutas de uma música que estava em produção, e, com a colaboração de seus versos, sua voz e guitarra, esta música virou a faixa Summer long, o primeiro fruto do trabalho dos mombojós com Sadier. 

Em 2017, a aprovação de um projeto em um edital de incentivo à cultura permitiu que todos se reunissem em uma casa, em Aldeia, de onde surgiram as quatro músicas do primeiro EP do projeto, agora batizado de Modern Cosmology. 

A pandemia e a distância, inclusive entre os membros da própria Mombojó, que moram em diferentes cidades, fizeram com que só agora saíssem as seis músicas que compõem o lançamento da Modern Cosmology. What will you grow now? está saindo pela gravadora Duophonic, da qual Lætitia é sócia, e que publica relançamentos e compilações da Stereolab. Isso traz mais visibilidade para a banda pernambucana, que aguarda os primeiros convites para apresentações no exterior. A primeira edição do vinil já está esgotada.

A Mombojó, desta vez, compôs toda a parte instrumental das músicas e coube a Sadier criar as letras e cantar. As gravações dos instrumentos aconteceram em poucos dias, no estúdio do curso de Música da UFPE, com o baixista Zé Guilherme usando sua experiência de produtor e engenheiro de som para criar gravações límpidas, de alta qualidade.

O novo disco do Modern Cosmology, no entanto, se parece pouco com o Mombojó. Talvez pela completa ausência dos vocais de Felipe S, assim como dos elementos percussivos de algumas faixas do EP Summer Long. A dinâmica, que é característica da banda, também abre espaço para seis músicas em andamento quase igual, sem pressa, moderato. E a mixagem (a cargo do francês Emmanuel Mario), que escolheu não destacar muito um ou outro instrumento, acaba escondendo detalhes dos arranjos. Making something, primeira faixa, começa com uma bateria eletrônica, e Vicente entra apenas a partir da metade da música. Em Consent for life, Zé Guilherme toca sintetizador, ao invés de baixo…

Talvez as novas músicas reflitam a morosidade dos últimos anos, em que o mundo ficou de castigo. Mas as ótimas letras, sempre politizadas, de Sadier, preferem olhar para o futuro, discutindo a vida, a criatividade, e a política de gênero (em Trauma release makes free). A bela A time to blossom consegue fechar o disco com uma nota de esperança, ao comparar pessoas a sementes, que só precisam das condições necessárias para florescer. YELLOW

YELLOW, programador, mestre em Ciências da Linguagem, designer e músico.

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