Curtas

Maria Lúcia Alvim: vida e poesia

Escritora mineira faleceu de Covid-19 na tarde desta quarta (3). Leia trecho do prefácio de seu mais recente livro 'Batendo pasto' (2020), por Guilherme Gontijo Flores

TEXTO Taynã Olimpia

04 de Fevereiro de 2021

Foto SEBASTIÃO ROCHA REIS/DIVULGAÇÃO

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Nascida em família de poetas, a mineira Maria Lúcia Alvim também encontrou nos versos sua profissão e acalanto. Foram neles que ela construiu sua jornada artística, publicando seu primeiro livro em 1959, o XX Sonetos. Sua estreia como autora foi agraciada com um dos principais prêmios da época, o da Gazeta de Notícias. Aos 88 anos, nesta quarta (3), a escritora se despediu como mais uma vítima da Covid-19, que já levou mais de 200 mil brasileiros e brasileiras. Em Juiz de Fora, Rio de Janeiro, onde residia desde 2011, Maria Lúcia estava internada há 16 dias, mas não resistiu às complicações da doença.

Sua trajetória literária passou por uma pausa a partir da década de 1980, quando ela parou de publicar inéditos. Porém, uma obra sua, engavetada há mais de três décadas, foi descoberta ano passado pelos poetas Guilherme Gontijo Flores e Ricardo Domeneck. O segredo literário se transformou em publicação com o livro Batendo pasto, lançado pela editora Relicário. O efeito do lançamento foi similar ao da sua estreia como poeta: a obra recebeu inúmeros elogios da crítica.


Capa do mais recente livro da poeta, publicado pela editora Relicário, em 2020, e trecho do poema Aquele que um dia fará meu caixão. Imagem: Reprodução

O poeta, tradutor, professor e também colaborador da Continente, Guilherme Contijo Flores pontua que a motivação de fazer o resgate da obra da Alvim foi gerada após seu primero contato com o livro Vivenda (1989), em que estão reunidos 30 anos de produção poética da autora. "Alí estava uma poeta genial, da qual eu não tinha ouvido falar, e nem outras pessoas ao meu entorno, que sei que são muito cuidadosas com a leitura de poesia. Então, se eu e mais várias pessoas não conheciam, de fato era uma poeta que estava deixada de lado", nos conta em entrevista.

No ano passado, no período do lançamento do inédito, Maria Lúcia chegou a comentar que ficou "perplexa" quando a descobriram, pois as pessoas achavam que ela já estava morta. Assim, a publicação do Batendo pasto também foi uma forma de ela ser reinserida no circuito literário nacional, resgatando seus antigos leitores e conquistando novos. "Ela chegou a ler algumas resenhas e viu que não era só um grupo pequeno interessado no livro. Ela pôde ver que havia, do nada, sem que ela tivesse a menor ideia, um grupo razoavelmente grande de pessoas que passou a querer ver essa poesia, e que, ao ver essa poesia, se sentiu comovido", compartilha Guilherme. De certa forma, foi uma surpresa para a autora perceber como seus escritos ainda podem tocar leitores contemporâneos.

Em seu recente lançamento, o espaço rural é representado de uma forma diferente daquela empregada na poesia até então. Sem pretenções de ser bucólica, idealista ou realista, o que é de fato posto na poesia, de forma singular, é uma fusão do subjetivo com o objetivo. Reafirmando, mais uma vez, a contribuição da autora para literatura: "A poesia da Maria Lúcia nunca é mera abertura de sentimento sem reflexão, mas também não é jogo vazio literário. Ela consegue fazer essas duas coisas se encontrarem com uma força única", como bem avalia Guilherme.

A poeta cujos irmãos, Francisco Alvim e Maria Ângela Alvim, também são grandes autores da poesia nacional, levou uma vida resguardada. Publicou os livros Coração incólume (1968), Pose (1968), Romanceiro de Dona Beja (1979) e A rosa malvada (1980), mas, por décadas, teve seu nome fora das rodas literárias. Porém, é prova de que a poesia de qualidade tem a capacidade de transpor o tempo, tocando inúmeros leitores. À Maria Lúcia Alvim, fica o agradecimento. À literatura, fica o legado de quem soube pôr em palavras os sentimentos e visões de um passado ainda vivo.

TAYNÃ OLIMPIA, jornalista em formação pela UFPE e estagiária da Continente.


EXTRA: Leia prefácio de Batendo pasto, por Guilherme Contijo Flores e Ricardo Domeneck, publicado no livro Batendo pasto (2020).


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