Curtas

Macumbadaboa

Grupo que nasceu no terreiro da Nação Xambá, em Olinda, lança seu sexto disco independente

TEXTO THAÍS SCHIO

08 de Outubro de 2019

Grupo é formado por Guitinho, Thúlio, Beto, Nino e Memé

Grupo é formado por Guitinho, Thúlio, Beto, Nino e Memé

Foto Rennan Peixe/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 226 | outubro de 2019]

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Raras são as vezes em que ritmos tradicionais subvertem as limitações da lógica de consumo do mercado cultural, transformando-se em movimentos que atravessam gerações e se reinventam nas mãos de quem carrega a ancestralidade no corpo. Foi assim, indo além do terreiro da Nação Xambá, localizado no Quilombo do Portão do Gelo, em Olinda, que o Grupo Bongar conquistou a admiração de diversas comunidades locais e se consolidou, há 18 anos, como voz política e artística na construção de pontes, que, através do Coco de Xambá, desembarcaram em festivais na Europa e América.

Em entrevista concedida à Continente, o grupo conta que foi justamente em uma dessas conexões que os tambores frenéticos do Bongar cruzaram pela primeira vez com as experimentações eletrônicas do produtor Maga Bo, conhecido por percorrer o mundo criando músicas que flutuam entre sonoridades diversas como hip-hop, reggae, dubstep, samba, cumbia, entre outros. O encontro, ocorrido há sete anos, deu-se por conta de uma matéria de jornal em que o americano expressava interesse pelo grupo e se tornou marco inicial da concepção de Macumbadaboa (2019), sexto disco independente dos xambazeiros, com lançamento previsto para outubro.

“Chegando aqui numa Quarta de Cinzas, Maga Bo passou a tarde com a gente no Polo Afro (onde acontecem shows e performances durante o carnaval do Recife) e a noite na casa da minha avó. Falou de seu estúdio móvel e da vontade de gravar com o Bongar. Eu falei da ideia de fazer um disco instantâneo a partir da memória, dentro de um ambiente em que letras e arranjos fossem compostos na mesma hora, usando a criatividade latente do nosso povo e todo o arcabouço dos orixás”, contou Guitinho, músico e vocalista do grupo, também formado por Thúlio, Beto, Nino e Memé, todos primos, nascidos e criados na comunidade Xambá, onde foram montados estúdios artesanais para a gravação das 10 faixas do disco.

Dentro desse processo quase “psicofônico”, como a produtora executiva Marileide Alves gosta de chamar, a produção do álbum dependia não só da disponibilidade de Maga Bo (que há anos reside no Rio de Janeiro), mas da organicidade dos integrantes, do mergulho dos músicos convidados dentro de territórios criativos e da cooperação da comunidade. Características responsáveis pela formação de texturas sonoras que enriqueceram os arranjos e as composições líricas do álbum, traduzindo o sentido de coletividade presente na comunidade de matriz africana e estabelecendo a costura entre contemporaneidade e ancestralidade. Resultado da mistura de instrumentos tradicionais com elementos eletrônicos, como, por exemplo, na música Manhancá.

“Não existe essa ideia de que nossa música é ancestral e não pode ser renovada, ela é sempre momentânea e ressignificada”, explica Guitinho. A ideia de ancestralidade junto à modernidade também está na capa do novo álbum, assinada pela artista Andrianna Moulinos. Nela, figuras de homens e mulheres, esteticamente similares às de pinturas rupestres, aparecem utilizando headphones e transitando entre alfaias, agbês, pandeiros e equipamentos eletrônicos.

A atenção, nos discos anteriores, em explorar novas sonoridades, também aparece em Macumbadaboa através de vozes consagradas, como a da cirandeira e patrimônio vivo de Pernambuco Lia de Itamaracá, em Ogum Beira Mar. “Não se trata apenas de inovação sonora. Quer se tornar universal? Cante sua aldeia, conte sua história”, sugere Guitinho da Xambá. Numa atitude que explica, de certa forma, como a música do Grupo Bongar foi responsável por alavancar a autoestima de seu povo. “A gente conseguiu que adultos, crianças e adolescentes passassem a ver sua comunidade com outro olhar. Hoje, você chega aqui e vê as pessoas caminhando com seus axós e guias, sem medo de dizer que é do candomblé, da Casa Xambá”, pontuou Marileide Alves.

THAÍS SCHIO, estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.

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