No início dos anos 1970, Lailson era mais um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones, começava a tocar com dois amigos, Paulo Rafael e José Oliveira, ou Zé da Flauta. Estava com 17 anos quando fez um intercâmbio nos Estados Unidos. Chegou lá quando a contracultura estava ao auge, o que viu mudou sua cabeça. Na volta ao Recife, entrosou-se com os “malucos” de uma cidade ainda muito conservadora. Foi um dos organizadores, com Marcelo Mesel e alguns universitários, da I Feira Experimental de Fazenda Nova, o marco zero da cena udigrudi pernambucana. Quem trilhava o caminho contracultural no estado se encontrou nesse festival, acontecido num dos palcos de Nova Jerusalém onde se apresentaram, entre outros, o Nuvem 33, Tamarineira Village, Lula Côrtes e Lailson.
Com o dinheiro recebido como indenização de uma agência publicitária, Lailson financiou a gravação, no estúdio da Rozenblit, de um LP com Lula Côrtes, Satwa, o primeiro álbum independente da moderna música brasileira, e o início de uma série de discos da chamada psicodelia pernambucana. O álbum teve alcance restrito, não apenas por ser independente, mas também por causa do repertório composto ad lib, temas improvisados na craviola de Lailson e na cítara marroquina de Lula Côrtes: “A gente fez divulgação em rádios, embora Lula não se mostrasse interessado, como também não estava em shows, então ficou por aí”, contou ele numa entrevista ao JC. Lailson apresentou Satwa ao vivo, em 2011, no Festival de Inverno de Garanhuns, em homenagem a Lula Côrtes (falecido em março daquele ano).
GÓTICO PSICODÉLICO
Com Zé da Flauta e Paulo Rafael, os dois amigos de adolescência com quem tocou numa banda de garagem chamada Jopem, Lailson participou, em 1973, do Phetus, uma banda conceitual que estreou no Beco do Barato, na Conde da Boa Vista. Os shows da Phetus começavam sempre à meia-noite, antecedido por 12 badaladas de um relógio, e as canções poderiam ser rotuladas de gótico psicodélico. Mas a Phetus não foi muito longe. Gravaria somente em 2004, no disco A Turma do Beco do Barato (Coletânea 70). Com a debandada do grupo, Lailson dedicou-se ao desenho. Desenhou no Jornal da Cidade e no Diario de Pernambuco (a partir de 1977). Foi no DP que ficou conhecido em Pernambuco, e no Brasil, com cartuns publicados em várias revistas e jornais alternativos do Sudeste, incluindo O Pasquim. No auge dos festivais de desenho de humor, ele foi vencedor do Salão de Humor de Piracicaba, em 1976, o mais importante do país na época.
Ele voltaria à música como diletante. Em 1995, criou os grupos Garagem, Blus Broders, The Lailson Blues Band, e foi um dos integrantes da Banda Pão com Banha, esta de humor escrachado, que fazia apresentações em lançamentos do almanaque do jornal de humor O Papa-Figo. A Pão com Banha dividiu palco com o humorista cearense Falcão, no Teatro do Parque, em 1990.
Poucos fizeram tanto pelo humor gráfico em PE. De 1999 a 2005, organizou o Salão Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco, para o qual trouxe alguns dos maiores desenhistas ao Recife. Entre estes, Will Eisner, criador do Spirit. Lailson editou um jornal de humor na década de 1980, o Folhetim Humorial, e deixou uma bibliografia de cerca de 20 livros. Desde que saiu do DP, no início dos anos 2000, Lailson criou sua empresa, a LHC.
Lailson foi mais uma vítima da Covid-19 – era do grupo de risco (faria 69 anos em dezembro), mas não se vacinou, garantindo que não era bolsonarista. No Facebook, explicou a um seguidor o motivo pelo qual não se vacinava. Achava que a vacina era uma jogada da indústria para movimentar trilhões de dólares e submeter o povo “aos tiranetes de plantão”.
Lailson e o jornalista José Teles, testemunha dessa história.
Foto: Acervo pessoal
JOSÉ TELES é escritor e jornalista especializado em música. Foi crítico de música do Jornal do Commercio de 1987 a 2020 e já escreveu sobre o assunto em diversas publicações do país.