Este, inclusive, é outro acerto que Judas e o messias negro traz na sua construção dramática. Não há tentativas de abrandar o que politicamente eram os Panteras Negras, um grupo marxista, maoísta, revolucionário e que respondia com balas as balas enviadas pela polícia. As ideias eram claras, e elas são explicitadas em cada cena que Hampton se torna o foco, principalmente quando ele realiza seus discursos.
É aí que o “Messias” do título se torna quase uma parte paralela da obra, um fantasma que ronda enfraquecendo o todo. Há uma tentativa de personalizar Hampton, presidente da célula, através do verbalismo. Essa estrutura “messiânica” oculta um fato importante, Hampton era um jovem de 21 anos – o que também é abstraído pela escalação de Daniel Kaluuya para o papel (que venceu um Globo de Ouro como Melhor Ator Coadjuvante).
Se na primeira vez seu discurso é vacilante, a firmeza nos próximos soa mais como uma cooptação pela construção dramática do filme, do que um recrudescimento dos ideais do personagem. É uma tendência até esperada para um trabalho com apelo comercial que aborda figuras de potencial revolucionário. Ambos os protagonistas são submetidos a uma progressão de consciência. O que diferencia Judas e o messias negro, no entanto, é seu caráter fatalista, e como ele vai lidar com o final antecipado.
Em The murder of Fred Hampton (1971), o cineasta Howard Alk opta pela reafirmação do que foi o revolucionário em vida – contra a martirização, a última cena do documentário carrega a voz dele bradando seus ideais. E 52 anos depois da sua morte, Judas e o messias negro o reverencia: em sua aparição final, Hampton descentraliza sua figura de liderança para certificar que a luta dos Panteras Negras é atemporal.
Quanto a O’Neal, mais protagonista do longa-metragem que Hampton, ficamos com suas imagens reais no documentário Eyes on the prize, onde o informante narrou em entrevista todo seu envolvimento no assassinato ao lado do FBI. O véu, como chamou Du Bois o fenômeno que dita as relações raciais nos EUA, caiu – nem transgressão, nem aceitação. Aos 40 anos, O’Neal cometeu suicídio pouco tempo depois de Eyes on the prize ir ao ar.
JOÃO RÊGO é jornalista em formação pela Unicap e repórter estagiário da Continente.