Eu me lembro é o tema do 13º Janela Internacional de Cinema do Recife, realizado em uma versão online e gratuita, pela primeira vez, entre 6 e 10 deste mês, no site www.janeladecinema.com.br. A edição pandêmica perscrutará por memórias coletivas e individuais, sejam elas de um passado longínquo ou recente.
Para não ir muito longe, por exemplo, como esquecer as lembranças da quase não realização do evento em 2019? Os desmontes nas políticas culturais do país já inviabilizavam o festival antes mesmo de se falar em coronavírus. Na época, coube à organização do Janela apostar na coletividade do público para uma campanha de financiamento coletivo. A estratégia, somada a maiores investimentos da Prefeitura do Recife, colocaram no ar uma edição mais enxuta – mas que ainda sim exibia, pela primeira vez no Brasil, lançamentos internacionais do cacife de Vitalina Varela, vencedor do Leopardo de Ouro no Festival de Locarno.
Em 2020, o Janela não teve a mesma sorte. Com o seu grande palco, o Cinema São Luiz, fechado, nem mesmo uma edição online foi anunciada. Este enorme vácuo na agenda cultural do Recife veio a ser preenchido agora, com um anúncio surpresa do embarque do festival no mundo digital.
Ressalte-se, mais que um evento cinematográfico, o Janela situa o público pernambucano na cadeia de lançamentos internacionais alternativos, além de ser um espaço para discussões e atividades formativas. Sem um circuito aquecido de estreias, a 13º edição do festival evidenciou ainda mais sua importância curatorial. Foi neste sentido que a programação pôs lado a lado nomes como a cineasta Anna Muylaert e o artista multimídia Kaíque Brito, que partiram de ideias basilares semelhantes para realizar seus filmes. O Eu me lembro foi a temática que guiou justamente os únicos lançamentos presentes na seleção, instigados pelo Janela a partir de reflexões sobre a crise que acomete a Cinemateca Brasileira, fechada desde o ano passado.
Além dos dois citados, os cineastas Bruno Ribeiro, João Pedro Rodrigues, João Rui Guerra da Mata, Lia Letícia, Nele Wohlatz e Sergio Silva somam-se à mostra de inéditos. Se as novidades olham um passado próximo para pensar o presente, os filmes das mostras Forum 50: Episódios de Luta e Arquivos Brasileiros vão adentrar o século XX com um apelo à preservação. A primeira seleção possui um potencial de magnitude próxima à histórica mostra L.A Rebellion, exibida no Janela de 2017, com obras de diretores afro-americanos que compuseram um dos mais importantes movimentos do cinema norte-americano. O Forum 50: Episódios de Luta reúne sete filmes que partem de motivações políticas, no esteio de movimentos civis, contraculturais e anticoloniais. Estão presentes longas como O assassinato de Fred Hampton (1971), de Howard Alk e Mike Gray; Angela – retrato de uma revolucionária (1971), de Yolande du Luart e Eldridge Cleaver (1969), e Pantera Negra, de William Klein, todos filmados na efervescência de fatos que envolveram ícones do movimento negro norte-americano.
Cena de Angela – retrato de uma revolucionária (1971). Imagem: Divulgação
Também marcam presença trabalhos com perspectivas a partir do continente africano, como Fim do diálogo (1970), filmado clandestinamente por exilados sul-africanos, e Monangambeee (1968), da angolana Sarah Maldoror. Os filmes, que ficam disponíveis por 24h para acesso do público, são um recorte da primeira edição da mostra Forum/Festival de Berlim, realizada há 50 anos.
Do outro lado, a seleção Arquivos Brasileiros parte de uma percepção da necessidade de preservar nosso patrimônio audiovisual. Três curtas, entre eles o clássico Viagem ao Brasil (1927), de Vital Ramos de Castro, podem ser acessados durante 24h. Os curtas foram selecionados pela curadoria de Débora Butruce e fazem parte do acervo do Centro Técnico Audiovisual (CTAv) e da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
DIÁLOGOS Além de fomentar discussões exibindo produções, o Janela também propõe a mediação de diálogos a partir das exibições. Nesta edição virtual, o destaque a essas interlocuções foi maior, com uma programação voltada para aulas online (com inscrições gratuitas).
O modelo escolhido foi o de conversas entre duas pessoas que se acrescentam em conteúdos e abordagens. Lado a lado para o bate-papo, estão as atrizes Maeve Jinkings e Fernanda Montenegro; a pesquisadora Kênia Freitas e a cineasta francesa Mati Diop; o curador do festival Luís Fernando Moura e o administrador da página de memes @saquinhodelixo. Luís também compõe outra roda com as pesquisadoras Jacqueline Nsiah e Janaína Oliveira, para abordar cinema e rebelião a partir de lutas negras.
Outros destaques vão para a presença da curadora Débora Butruce e Tiago Baptista, em uma conversa sobre Preservar, restaurar filmes em tempos de desmonte e reconfiguração, além do cineasta Kleber Mendonça Filho, Bruna Rafaella, Leonardo Lacca e Vi Brasil debatendo acerca do tema Modelo vídeo: o atelier remoto do Risco!.
A cineasta francesa Mati Diop. Foto: Divulgação
E para não dizer que o Janela não movimentou estruturas físicas, o festival também convidou o coletivo Coquevídeo para criar uma intervenção urbana com projeções de imagens no centro do Recife, com data ainda a ser anunciada devido ao agravamento da pandemia na cidade.
Essa 13º edição contou com incentivos como da Lei Aldir Blanc junto ao Governo de Pernambuco, patrocínio da Prefeitura do Recife, além de apoios como os do Consulado Geral da Alemanha no Recife e Centro Cultural Brasil Alemanha.
JOÃO RÊGO é jornalista em formação pela Unicap e repórter estagiário da Continente.