Curtas

Hoje somos muitas árvores

Exposição virtual reúne 15 artistas e coletivos indígenas do Nordeste do país

TEXTO Taynã Olimpia

30 de Agosto de 2021

Obra 'Vestido de noiva com arco e flecha'

Obra 'Vestido de noiva com arco e flecha'

Instalação Juliana Xukuru/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Vestido de noiva com arco e flecha. De início, pensar na combinação desses dois elementos causa certa estranheza. E, de fato, é a intenção. Provocar curiosidade, atenção, expandir os sentidos para compreender a narrativa que está por trás da união desses objetos. A frase descritiva intitula a obra da artista visual Juliana Xukuru. Através dela, temos contato com uma das fatias amargas do Brasil colonial: mulheres indígenas que eram obrigadas a se casar com brancos, europeus, a fim de transferirem a eles a posse do seu território. E, além da invasão territorial, há, nessa história, toda uma invasão dos corpos, da dignidade e da cultura dos povos originários do nosso país.

Não somos mais colônia, mas o legado colonial permanece em vários âmbitos. Os circuitos culturais, como exemplo, tendem a não incluir as obras produzidas fora de um ideal eurocêntrico. A tal Arte, com letra maiúscula, se fincando na exclusão de artistas cujas narrativas vão além do “padrão” ou que geram certo incômodo, um despertar. É o caso da produção indígena. Seus artefatos (até certo ponto) entram em acervos de museus de História, mas não nos museus de arte contemporânea. Por isso que obras como a de Juliana Xukuru custam a chegar até nós.

Quebrando essa tendência segregatória, a galeria virtual do Grupo de Pesquisa e Ensino da Arte em Contextos Contemporâneos (GPEACC) acaba de inaugurar a exposição (também) virtual Hoje somos muitas árvores. Dando vida ao nome escolhido, que traz um sentido de pluralidade e diversidade, a mostra reúne artistas indígenas do Nordeste brasileiro. O cuidado da curadoria foi em trazer representantes que produzem arte em diversos meios de expressão. Na tour, é possível conferir videoperformance, desenho, instalação, pintura, colagens, fotografia e xilogravura.

 
À esquerda, Chocalho de cobra, de Lucca Muypurá. À direita, Acemira, de Aislan Pankararu. Imagens: Divulgação

“Não somos só um perfil de indígena. No Brasil, são vários povos, várias etnias. É preciso pensar para não recair naquela imagem de que nosso povo indígena parou no passado, naquele único estereótipo. Nossa exposição quer ir além disso; ela quer mostrar o que realmente é essa arte contemporânea nordestina e o que está sendo proposto por essa arte”, explica Juliana Xukuru que, além de curadora educativa de Hoje somos muitas árvores, integra os 15 coletivos,  com artistas e participantes.

Espiritualidade, expressividade e corporeidade foram os eixos que guiaram a escolha das obras e dos expositores. De acordo com Abniel João do Nascimento, indígena do povo Tabajara e curador da exposição, a mostra foi pensada através de uma metodologia indígena e não-colonial, gerada por meio de uma construção coletiva de partilha de sabedorias e ciências. “É uma exposição que também tem um compromisso de colocar os nomes dos artistas e coletivos em uma posição de existência, pois nós somos muito ignorados no circuito de arte tradicional e nos circuitos chamados de ‘artes indígenas’ ou ‘arte decolonial’. Então, essa exposição é sobretudo um grito de resistência”, revela Abniel.


Nascer em escombros, de Bárbara Mathias Kariri. Imagem: Divulgação

Devido à pandemia, a exposição foi adaptada para o formato virtual, com as obras sendo digitalizadas, remontadas e fotografadas para serem exibidas no portal GPEACC (www.gpeacc.com). Até o dia 26 de novembro, é possível conferir os trabalhos na galeria virtual, que segue uma linha de tridimensionalidade. Por meio de visitas mediadas ou não, o acesso pode ser feito através de computador, smartphone ou tablet. Uma programação de debates com artistas e pesquisadores do tema está sendo montada e pode ser acessada através do mesmo site, ao longo do período.

Assim como árvores em uma floresta, que, mesmo separadas, estão conectadas pelas raízes, vemos um ecossistema se formando a partir das mãos dos realizadores indígenas nordestinos: Antônio Pankararu, Associação dos Índios Cariris de Poço Dantas – Umari, Bárbara Kariri, Coletivo Tapera Tapuia Tarairiú, Edson Atikum, Gê Viana, Juão Nyn, Juliana Xukuru, Juscelino Tabajara, Lucca Muypurá, Oiti Pataxó, Vitor Tuxá, Yacunã Tuxá, Ziel Karapotó e Aislan Pankararu.

A exposição, cujo título faz referência à poesia da cacica Maria D'Ajuda, do povo Pataxó de Cumuruxatiba, nos permite caminhar, mesmo que virtualmente, através dos percursos trilhados pelos povos originários. E, como a poeta já disse, nos estimula a lembrar:

Hoje somos muitas árvores e juntas vamos lutar
Para conquistar as nossas terras que o branco veio roubar

Esse chão é sagrado
Pois nossos antepassados
Muito sangue derramou
Somos herdeiros verdadeiros
De tudo que ficou

TAYNÃ OLIMPIA é jornalista em formação pela UFPE e estagiária da Continente.

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