Curtas

Habitando a fotografia de Helena Almeida

Livro exibe obras da artista portuguesa, em exposição no Instituto Moreira Salles de São Paulo

TEXTO Revista Continente

21 de Setembro de 2023

Estudo para um enriquecimento interior, 1977-1978. Acrílica sobre fotografia, políptico de seis, 53 x 42 cm (cada). Coleção Altice, Lisboa.

Estudo para um enriquecimento interior, 1977-1978. Acrílica sobre fotografia, políptico de seis, 53 x 42 cm (cada). Coleção Altice, Lisboa.

Foto Divulgação

Uma pincelada de tinta acrílica azul no ar em preto e branco. E de repente a materialização do inexistente. Tão palpável que pode ser colocado no bolso da roupa. A sequência de fotografias não recebe uma cor simplesmente, mas um objeto, o objeto pincelada, que também pode ser deglutido. A obra descrita se chama Estudo para um enriquecimento interior (1977), de Helena Almeida (1934-2018). A artista portuguesa ressignificou a fotografia como suporte da arte ao inserir elementos externos que se incorporam e transformam o cenário clicado, sendo ela própria a modelo. 

“Não ia contratar um modelo quando me tenho a mim no atelier. A tela sou eu. A imagem do meu corpo não é a minha imagem”, declara a artista no livro Helena Almeida, fotografia habitada (136 páginas, R$ 154,50), organizado pela crítica e curadora portuguesa Isabel Carlos. A publicação é fruto da  exposição Fotografia habitada, antologia de Helena Almeida, 1969-2018, instalada no Instituto Moreira Salles de São Paulo até 25 de setembro. Trata-se da primeira individual da artista em solo brasileiro. 

Fotografia habitada, diz a curadora, não poderia ser mais preciso para a antologia inédita, pois descreve liricamente o trabalho de Helena com a fotografia, habitada pela pintura, desenho, escultura, performance, corpo e sentidos. Uma tela vira roupa em Tela rosa para vestir (1969). Um fio de crina em lugar do risco tridimensionaliza a fotografia na obra Desenho habitado (1977). Em Tela habitada (1976), a artista parece ter sido colocada dentro de uma tela de pintura.

Filha do notório escultor português Leopoldo de Almeida (1898-1975), autor do famoso conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos, Helena herdou a função vital de exorcizar através da arte, nos mais diversos códigos artísticos: desenho, cinema, pintura, HQ, escultura, arquitetura, performance e fotografia são utilizados como ferramentas de subversão da imagem. Sendo cada uma delas pensada e desenhada como um storyboard.

 

Dentro de mim, 2018. Acrílica sobre fotografia, tríptico, 134 x 86 cm (cada). Cortesia Galeria Francisco Fino, Lisboa. Foto: Divulgação


Mirem-se no último trabalho de Helena, Dentro de mim (2018), que a curadora chama de anti-retrato, onde a artista surge vestida de preto com um saco na cabeça. “Um corpo que está impedido de ver, como os prisioneiros e as vítimas de sequestro. E nós espectadores olhamos, mas não a vemos e nos ocorre a célebre frase do [psiquiatra martinicano] Frantz Fanon ‘todo o espectador é um covarde e um traidor’”, escreve Isabel sobre a obra. 

No livro, além da biografia e dos trabalhos que permeiam 55 anos de carreira da artista, são revelados trechos de diálogos entre Isabel e Helena, ao longo de uma relação muito próxima, iniciada em 1996. Publicados originalmente em 2007, esses diálogos ganham agora edição exclusiva para o Instituto Moreira Salles. 

 

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