Próximo ao Parque Santana, zona norte da capital pernambucana, existe uma antiga casa que materializa uma forma de resistência. Rodeada de prédios, num bairro que já foi majoritariamente composto por módulos residenciais, sua entrada recepciona o visitante com uma pequena escadaria de madeira que leva à porta principal. Mas, se você seguir pela lateral da casa, guiado por um caminho de pedras sobre a grama em direção a área externa da construção, irá se deparar com uma grande área verde.
Há 45 anos, o lugar foi um dos primeiros lares de Armando Garrido, galerista e colecionador de arte. Dos três aos 29 anos de idade, a casa fez parte do seu desenvolvimento, gerando nele um sentimento de identificação e afetividade. As árvores do jardim, inclusive, foram todas plantadas pelos seus pais. Hoje, essa antiga residência toma forma de galeria de arte com portfólio centrado em artistas pernambucanos, e pretende atrair o público pela simbologia de resistência e afeto que motivou o proprietário a preservá-la com as características originais de sua construção.
A casa foi um dos primeiros lares do galerista Armando Garrida. Foto: Divulgação
O que levou Armando à criação da Garrido Galeria foi a paixão pelas artes visuais atrelada à sua mentalidade de investidor. Por ter crescido num ambiente permeado por referências artísticas, ao ter que decorar o próprio apartamento, buscou por obras de arte que pudessem preencher aquele espaço com marcas de sua identidade. Aos poucos, construiu uma coleção própria, que não parou de crescer. De colecionador, passou ao trabalho experimental com exposições em restaurantes, fomentando seu interesse por arte. Quando a casa de Santana deixou de ser residencial, em 2015, passou a ser usada por ele como local para guarda de acervo.
Mas foi só quando precisou fazer uma reforma no local que Armando pensou em transformá-lo num espaço de uso múltiplo, uma espécie de “clube de artistas”. A ideia de montar uma galeria é consequência de todos esses processos pessoais, que se adequa hoje ao cenário de pouca oferta de espaços de apreciação e compra de obras de arte no Recife. A Garrido pretende se inserir nesse nicho, com a proposta também, de acordo com seu proprietário, de promover experimentações nas mais variadas linguagens, cursos e workshops com colecionadores e economistas especializados no mercado de arte. A galeria conta com espaço gastronômico – liderado pela cozinheira Manu Galvão –, exibições de filmes, biblioteca com acervo de arte e ações voltadas para crianças e jovens.
Em parceria com a Phantom 5 – grupo de curadoria independente de arte contemporânea, guia de exposições, ateliês e eventos artísticos –, Armando montou um elenco de artistas visando um equilíbrio entre nomes emergentes e já consagrados de Pernambuco. “O casting foi pensado a partir do desejo de poder representar os que vêm de uma escola tradicional de desenho e pintura, mas trazendo outras linguagens e suportes de artistas emergentes daqui do estado, numa forma de impulsioná-los”, explica Steve Coimbra, curador da galeria pela Phantom 5.
Seguindo essa preocupação de representatividade, que também se reflete na montagem de um grupo equilibrado entre os gêneros, integram a galeria, nesse primeiro momento, os artistas Acidum, Alexandre Nóbrega, Aoru Aura, Bozó Bacamarte, Bruno Vilela, Flávia Pinheiro, Flávio Emanuel, Gio Simões, Iagor Peres, Jeims Duarte, Kilian Glasner, Mariana de Matos, Stefany Lima e Tatiana Moés. A parte conceitual fica sob os cuidados da Phantom 5, junto com um conselho formado por alguns desses artistas. Armando destaca: “Não pode ser o meu gosto, a galeria não é pensada por mim. Eu fico mais à frente da parte administrativa, de vendas”.
No dia 4 de julho, às 19h, será aberta a primeira mostra do ano. Cataclismo: exposição coletiva de arte contemporânea em tempos de catástrofe será composta por diferentes núcleos que integram pintura, desenho, fotografia e performance, articulando linguagens que trabalhem a sensibilidade das pessoas através da arte. Os 14 nomes que compõem o casting da Garrido Galeria, mais as artistas convidadas Clara Moreira e Juliana Lapa, farão parte da instalação, transmitindo seus olhares acerca das tensões ambientais e caóticas do universo. “Houve um adiamento da exposição por conta das reformas estruturais. É uma exposição coletiva que aposta na visão catastrófica apresentada através de 16 visões diferentes, marcada pela variação de linguagens e suportes, fazendo um link com o que estamos vivendo. São questões ambientais, políticas e sociais, que geram um sentimento de imprevisibilidade”, explica Steve.
Cartaz da coletiva Cataclismo, aberta em 4 de julho. Foto: Divulgação
A Garrido pretende desconstruir a ideia convencional de galeria de arte como espaço comercial em forma de cubo branco. Transformar uma antiga residência em galeria foi o passo dado na busca dessa diferenciação, ao ativar os laços com a memória e a possibilidade de ressignificar as histórias ali vividas.
A proposta é criar em torno da galeria um lugar de convívio. “Nosso diferencial é justamente a promoção de vários atrativos para além das exposições. E a ideia é movimentar, promover visitas guiadas, estimular o público a fazer parte disso. Propor eventos que misturem as linguagens artísticas para atrair o público. Não quero número, quero frequência”, defende Armando Garrido.
Dialogando com o próprio tema da coletiva Cataclismo, o novo espaço serve para acolher e estimular o contato com a arte e a valorização dos nossos artistas. Por meio da aproximação com objetos da arte e da cultura, dos encontros de formação e da conversa no jardim, os visitantes poderão ampliar seus repertórios culturais e seu olhar para a arte e a cidade.
SAMANTA LIRA é estudante de jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.