Neste estado da região Nordeste do Brasil, cujas ideias em torno da cultura, em diferentes linguagens, se encaixa entre a “força da tradição” e a antena conectada para o futuro, a produção cultural pulsa forte nas diferentes regiões. Cada uma, inclusive, sedia diferentes expressões artísticas, que nascem a partir de contextos sociais, políticos e econômicos distintos, circunscrevendo e costurando seu espaço nessa grande rede que compõe o que se entende por cultura pernambucana. No frevo rural, criado na Mata Norte, também é assim.
O frevo rural é, na verdade, resultado de “pesquisa, experimentações e documentação da região da Mata Norte”, para utilizar as palavras de Ederlan Fábio, que assina a direção musical e é produtor da Orquestra de Frevo Zezé Corrêa, responsável pela iniciativa. Essa pesquisa tem mais de uma década. Um percurso que tem mais história, até: a Escola e Orquestra de Frevo Zezé Corrêa é ligada à Sociedade Musical 15 de Novembro, que atua há mais de 135 anos, no Distrito de Upatininga, zona rural de Aliança (PE). Enquanto a fundação da Sociedade Musical 15 de Novembro é de 1888, a Orquestra de Frevo Zezé Corrêa foi criada em 2013 e a Escola de Frevo, em 2015. A escolha do nome Zezé Corrêa vem como uma homenagem ao maestro que dedicou parte de sua vida à banda.
Orquestra de Frevo Zezé Corrêa é responsável pela iniciativa. Foto: Ederlan Fábio/Divulgação
Para além do produto cultural que é lançado no dia 4 de fevereiro nas plataformas de streaming, no formato EP, o que se mostra é outra forma de se expressar, que estará nas playlists dos amantes do frevo e nos palcos com apresentações cheias de cor, movimentos e poesia. “A proposta foi montar um novo produto dentro da banda que pudesse sustentá-la durante os 12 meses do ano”, explica Ederlan.
Com letras e músicas autorais, o EP Frevo rural traz, inicialmente, duas composições assinadas pelo artista João Paulo Rosa, de Nazaré da Mata (PE). “Quando o frevo entra para os interiores, ele vai recebendo o sotaque de outras regiões”, diz João Paulo à Continente. A primeira canção inédita é Plantis da vida, que traz, a partir de uma perspectiva crítica, a realidade da economia da monocultura canavieira. O tema da propriedade privada também se evidencia na letra.
Na segunda faixa, intitulada Belo Carnaval, a inspiração é a vida de um marinheiro que, após um período de navegação, aporta direto na folia. Pela sensibilidade da composição, a atmosfera da festa mais esperada do ano é trazida. É de se imaginar que uma escuta já na introdução das duas músicas, a saudade guardada pelos dois anos de ausência, por conta da pandemia de Covid-19, se aflore e o coração logo se aqueça nos primeiros segundos.
Para falar dos arranjos que tecem o frevo rural, também estão presentes os metais e a percussão que integram o grupo de instrumentos nas demais modalidades do frevo, já bastante conhecidas do público folião, entre eles, trompetes, trombones, sax, bateria, baixo, apito, guitarras, que aparecem com uma pegada próxima do blues e do jazz, e caixa. A identidade sonora, no entanto, fica por conta do bombinho, que, quando se soma ao bacalhau, resulta em uma musicalidade próxima à das brincadeiras populares da Mata Norte. E, para completar essa miscelânea e dar mais sabor ao “molho”, o mineiro é o instrumento que conduz a cadência.
Capa com arte de Ayodê França. Imagem: Divulgação
Essa mistura aparece ainda no corpo do brincante que vai para o frevo rural. Na dança, os passistas também dialogam com a memória dos movimentos de brincadeiras populares da região. Isso se evidencia para o público atento aos passos e às coreografias que remetem às criações e à evolução do maracatu rural, dos caboclinhos e de outros ritmos. Mas também aparece nos figurinos assinados por Adri Popular. Tanto a roupa dos músicos quanto a dos bailarinos conjugam elementos que compõem a vivência da região que os integrantes da Orquestra e Escola de Frevo Zezé Corrêa têm como sua.
“Costumo dizer que o caboclo de lança parece que brinca com o vento quando ele faz o movimento. (…) Quando direciono os passistas, costumo dizer: ‘Não precisa se preocupar em sorrir muito ou pensar em uma (única) frente. Quero que as pessoas vejam o brincante de vocês. Você pode girar, você pode subir, você pode descer, você pode pular, pensa que o grande destaque são as fitas que está em você. Você está trazendo muitas ancestralidades para a sua dança’. É muito bacana ver que até o vento dança com a gente”, explica o diretor artístico Adri Popular.
Ouça AQUI.
ERIKA MUNIZ, jornalista com formação também em Letras.