Curtas

Fluxo Fantasia

Com mais de 20 anos na estrada produzindo desenhos e experimentando fotografias e vídeos artísticos, o multiartista Guilherme Patriota lança a sua primeira exposição individual na Torre Malakoff

TEXTO Carina Barros

25 de Janeiro de 2022

“Esse trabalho vem sendo construído desde 1999

“Esse trabalho vem sendo construído desde 1999

FOTO Laura Sousa/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Nascido e criado na cidade de Itapetim,
no Sertão de Pajeú (PE), o artista, jornalista e produtor cultural Guilherme Patriota carrega consigo uma memória nítida de sua mãe lhe ensinando as cores quando ainda era bebezinho. Essa foi uma das lembranças de infância que ele compartilhou comigo, quando visitei a sua exposição Fluxo fantasia na Torre Malakoff. 

O artista relembrou também que saiu de casa aos 14 anos de idade para estudar e, através de suas andanças pelas cidades, convivendo com artistas, atores, músicos, fotógrafos e morando em diferentes lugares do mundo, construiu uma bagagem artística marcada por improvisos técnicos.

Tendo como base esse percurso espontâneo de aprendizado foi que surgiu a ideia desta que é a sua primeira exposição individual, Fluxo fantasia. “Esse trabalho vem sendo construído desde 1999, ele é continuo até agora. É sempre nesse campo múltiplo, eu não consigo me enxergar como um cara que é desenhista, como um cara que é video maker, com um cara que é um músico, eu sou um criador”, afirmou à Continente

Valendo-se desse processo criativo, somatizado em um arcabouço de ideias e pesquisas, a mostra reúne, atráves da curadoria de Laura Sousa e Renata Pimentel, 42 desenhos, 75 fotografias e dois vídeos artísticos sobre diversos contextos, com diferentes realidades cruzadas por Guilherme mundo afora. “Essa relação de fluxo e fantasia é o artista criando suas narrativas e, ao mesmo tempo, criando fluxos em viagens, em vários processos no Brasil, na Europa e na América Latina. Isso é algo que a gente quis trazer também para a exposição”, assinalou Laura, que acompanha o trabalho do artista desde 2016.


Sem título, da série soltas 09 (2008).
Imagem: Eric Gomes/Divulgação

“Guilherme é um multiartista que inventa mundos, tece narrativas diversas, urde uma fantasia em que opostos convivem e ambiguidades se (re)velam e o Sertão do Pajeú se espraia pelo Recife, pela latino-americanidade, chegando a reinventar a sua própria Europa ‘descamisada’. Guilherme encanta e provoca o olhar e a subjetividade, impossível não se fascinar pelos seus mundos inventados”, pontuou Renata. 

A exposição realça Guilherme como criador de desenhos que muitas vezes não são planejados e fogem do realismo, a partir de traços com intervenções geométricas sobre a obra. “No meu trabalho, eu busco que as pessoas tenham novas interpretações sobre coisas que não são necessariamente as minhas interpretações, por isso que eu acho que tem essa fuga do realismo”, explicou.

Todos os desenhos de Guilherme contêm traços feitos com nanquim, lápis coloridos, canetas porosas, grafites e outros materiais, que marcam um colorismo perspicaz do artista. Além disso, as obras contêm palavras e frases que chamam a atenção do público para refletir sobre o material poético que pertence às séries Geométrico antigeométrico, Processo de passagem, Sistemas e, também, desenhos sem título.

Das composições da exposição, o artista também destaca a série Os descamisados ou releituras indecentes de uma história da arte mal contada, que já foi exibida, de forma virtual, mas este ano poderá ser vista presencialmente. Os trabalhos fazem referência ao livro A história da beleza, de Umberto Eco, ao distorcer, através do seu traço, a ideia do belo em personagens de obras do período clássico, moderno e contemporâneo. 

É com essa pesquisa que Guilherme destaca a importância do escritor no contexto social: “Umberto Eco é uma figura importantíssima para a sociedade e para a cultura, seus escritos me deram um pontapé inicial nos descamisados. A partir da história da beleza, ele colocou uma interrogação na minha cabeça que começou primeiro assim: por que alguém escolhe alguém para participar de uma exposição ou de um catálogo? Depois, vou amadurecendo essa ideia e também tem o curador. Sim, mas quem é o curador? Qual é a relevância dele em relação ao artista? Por que ele escolhe padrões? O próprio livro dele O que é belo e o que é feio discute isso. Então, eu resolvi acrescentar isso à discussão, já que tanto a beleza quanto a feiura são uma questão plural e  precisam ser discutidas”.


O museu é a própria rua (2019)


Número 20 da série Os descamisados ou releituras indecentes
de uma história da arte mal contatada (2018-2019).
Imagens: Eric Gomes/Divulgação

FOTOGRAFIAS
Outro destaque da exposição são as fotografias da série Recife mobile, projeto de Guilherme desde 2015, marcado por registros espontâneos da cidade. “São situações mais naturais possíveis e o Recife mobile traz essas imagens de uma forma simples, mas às vezes no clique dessa simplicidade, ela pode se transformar numa bomba nuclear e isso só vai acontecer se a gente clicar”, comentou. 

Além disso, a mostra conta com dois vídeos: Lugar gente e Gente lugar, que contêm registros de pessoas, manifestações políticas e culturais em vários lugares do mundo. As imagens foram captadas no Recife e em outras cidades do sertão de Pernambuco, da Paraíba e ainda em capitais como Roma, Londres, Buenos Aires. O material dialoga com cada espaço e cria sobreposições de personagens que vão se misturando ao longo dos vídeos. "Nós também somos um lugar para outros seres vivos que nos fazem gente, nos fazem pessoas, nos fazem um lugar deles também. Então, eu acho que esses vídeos são uma memória um pouco afetiva." 

São essas memórias de relações afetivas que impulsionaram o pernambucano a se debruçar sobre o seu trabalho e a expor todo o material que se conecta com a cronologia do tempo e do espaço, retratando microcenários e pequenas histórias de personagens que vão se misturando ao longo do processo criativo do artista.

Algumas obras estão disponíveis no site do artista e a exposição fica em cartaz na Malakoff até o dia 30 de março, com entrada gratuita, mediante apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras. 


Sem título, da série Sistemas (2007).
Imagem: Eric Gomes/Divulgação


CARINA BARROS, jornalista em formação pela UFPE e repórter estagiária da Continente.

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