É construindo essa reflexão que logo no salão principal, localizado no térreo, surge a primeira exposição - Nunca fomos modernos, com a curadoria de Ana Luisa Lima, Joana D'Arc de Souza Lima e Wagner Nardy. Essa mostra do acervo do MAMAM agrupa obras de artistas pernambucanos e de outros estados, como Tarsila do Amaral, Tereza Costa Rêgo, Aloísio Magalhães, Vicente do Rego Monteiro, Wellington Virgulino, Ladjane Bandeira e Cícero Dias, entre outros nomes que andavam na contramão do conceito de identidade nacional que o Brasil buscava na época. “É ampliando as discussões e fazendo referência a célebre obra Jamais fomos nodernos, do antropólogo Bruno Latour, que a mostra atualiza o tema da modernidade a partir de um viés crítico possibilitando muitas formas de leitura pelo público”, descreve Nardy.
La Rotonde, 1927. Óleo sobre tela, Joaquim do Rego Monteiro. Foto: Natália Amorim/ Divulgação
É atualizando esse senso crítico que, já no primeiro andar, no lado esquerdo da sala, me deparo com a segunda mostra Semana de videoarte contemporânea de 22 de Pernambuco, realizada pelo cineasta e curador Jura Capela. A exposição conta com uma vasta produção de videoarte e mais de trinta artistas nacionais, internacionais e pernambucanos. Entre eles, Marcel Duchamp, Man Ray, Letícia Parente, Daniel Santiago, Paulo Bruscky, Grupo Camelo, Telephone Colorido, Juliana Notari e outros que fizeram vários experimentos no início do século XX.
O mais interessante é que todo material pode ser visto por várias TVs digitais e uma televisão analógica que se encontra no meio do salão, próxima a uma instalação de um colchão, que contém obras de artistas que dialogam com o conceito da modernidade. São trabalhos que registram a importância do movimento e mantêm viva a chama da criatividade, variedade e de elementos artísticos.
Foto: Natália Amorim/ Divulgação
Em seguida, dando continuidade à produção contemporânea, ainda na mesma sala, no lado direito, tem Ofício, da Marcenaria Olinda, projeto pseudônimo do artista e restaurador mineiro Fernando Ancil, com curadoria de Wagner Nardy. A mostra apresenta produções de arte com a madeira, através de objetos e fotografias elaboradas pelo artista com vários registros de fachadas de marcenaria por diversos lugares que percorreu.
Logo de início nessa exposição é bem perceptível a presença de vários bancos de madeira com inúmeras letras sobre a superfície. Segundo o mineiro, esse trabalho remete aos feirantes, pois estão sempre usando banquinhos próximos às barracas de rua. Além disso, o artista cria ferramentas que se assemelham a cabos fálicos, fazendo relação com o universo masculino desses objetos, e apresenta uma série de santos partindo de uma notícia de um jornal. “A figura do santo é contada pela igreja e temos um texto que vende em um documento no jornal. Temos uma notícia, e eu consigo alterar o texto e colocar a frase do jeito que eu quero e que dialogue com a história do santo. Esse trabalho associa uma história dos santos com um fato que é confrontar a verdade”, conta Ancil.
Parte do trabalho de Fernando Ancil reunidos na exposição. Foto: Marcenaria Olinda/ Fernando Ancil
No segundo andar, Todo trânsito é uma escuta, dos artistas Abiniel João Nascimento e Letícia Barbosa, parte do lugar da alteridade para construir narrativas compostas pelo transitar do cotidiano em contextos artesanais diferentes. Ambos, nascidos no estado de Pernambuco, mas de cidades distintas, apresentam trabalhos mediados pela performance, com muitas fotografias e vídeos dialogando com a questão de gênero e raça. “Meu trabalho também me trabalha. Com isso quero dizer que é uma via de mão dupla: eu construo as narrativas para que elas também tenham autonomia de me construírem e é assim que vejo essas obras que estão expostas. Cada uma delas marca um tempo crucial para o entendimento e firmamento de minha identidade”, afirma Abiniel.
Performance dos artistas na exposição. Foto: Natália Amorim/Divulgação
É nesse processo de construção que os artistas, também, compartilham juntos na mostra uma apresentação na Zona Aberta de Performance (ZAP), fazendo um vínculo com o cabo de guerra, uma brincadeira de infância, usando elementos visuais como a corda e o vidro (que fica por trás deles). A performance cria uma tensão no espectador e dialoga com as particularidades dos artistas, que criam seus laços e movimentos, dispondo dos enredos de cada obra da mostra. “Na exposição a gente se colocou aqui um escutando o trabalho do outro e nossos questionamentos internos. Quando a gente fala que todo o trânsito é uma escuta, a gente está falando dessa fronteira, desse lugar de passagem”, pontua Letícia.
É com esse trânsito, e com uma trajetória partindo de diversos lugares, que as produções artísticas das quatro exposições tiram o fôlego do espectador e se entrelaçam entre o passado e o tempo presente, permitindo que o público crie um repertório e construa um olhar fora do eixo a partir de trabalhos contemporâneos. “O intuito da mostra é de refletir, é tirar a gente desse espaço de tanta certeza, dessa arte moderna brasileira”, complementa a diretora do museu Cristiane Mabel. Com entrada gratuita, mediante apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras, a mostra está aberta à visitação do público de terça a sábado, das 12h às 17h, até 30 de abril.
CARINA BARROS, jornalista em formação pela UFPE e repórter estagiária da Continente.