Nessas tramitações indefinidas próprias ao seu processo criativo, Juliana tem construído uma pesquisa contínua junto ao grafite, em trabalho que pode ser conferido na sua primeira exposição individual, na Torre Malakoff, entre 1 de setembro e 11 de outubro. O título da mostra é uma provocação que não necessariamente trata de um assunto específico, mas talvez remeta ao próprio lugar que ela ocupa no mundo – o “combo” mulher + artista, duplamente tão desafiante quanto potente. Eu não estou louca reúne uma compilação de trabalhos inéditos que são parte do fazer artístico e integram uma jornada pessoal de autoconhecimento, como ela destaca.
“Eu não estou louca’ é uma afirmação de sanidade para o mundo, para mim mesma, para o cenário político. É um título que leva também para uma discussão sobre a saúde emocional da mulher, sobre gaslighting e silenciamento, mas o trabalho não se esgota nesse olhar. Entendi recentemente o quanto esse instrumento artístico que uso é de enfrentamento e autorrevolução, a partir de dentro. Passei a me relacionar de uma forma bem mais aberta com as mulheres, tendo mais sororidade. Enquanto pessoa e artista, isso me revolucionou”, diz Juliana, que integra o casting da galeria Amparo 60 desde o começo do ano, e tem se destacado no cenário das artes visuais do Recife participando de exposições coletivas.
Distribuído em duas salas, o conjunto de obras inclui, além de 12 desenhos em grafite, outras linguagens ainda não apresentadas ao público, como fotografias e um objeto interativo, além de cadernos pessoais que compõem fragmentos de seus processos de criação. “Pra mim, o grafite é emoção. É como água, como um condutor. É como se os desenhos abrissem e não te dessem muitas pistas, enquanto que a foto se resolve em si. Sinto que preciso cavar desenhos e fotografias com processos muito parecidos, porém o desenho não se esgota, já a fotografia resolve-se muito tranquilamente”, explica Juliana sobre o trabalho desenvolvido para a Eu não estou louca.
“Eu vejo um sentido político muito forte no meu trabalho. Há um mecanismo que inibe o pensamento abstrato, como uma mão invisível que nos empurra para baixo enquanto tentamos levantar a cabeça e enxergar melhor, e sinto que, para mim, não há como escapar desse caminho. Fazer arte nesse mundo que a gente vive, por si só, já é político. Por isso, ela é também essencial na educação, pois mexe profundamente com os olhares, com a nossa visão de mundo”, complementa.
Essas relações invisíveis são algo revelado pelos seus desenhos, como nas mãos da sombra oculta que surge por trás das figuras femininas. Em muitas das imagens da exposição, dois corpos aparecem em evidência: um corpo presente, na maioria das vezes em postura firme, mas exposto à vulnerabilidade de outro ser. São “corpos na experiência”, como ela mesma destaca, atravessados por algo que ainda não está completamente exposto. Por trás do visível, há um corpo que se oculta em sua escuridão translúcida, um espectro que transita sabendo exatamente aonde quer chegar. “Tem essa sombra que guia, que é um corpo condutor, em que muitas delas, não se sabe se ela está guiando ou invadindo. É sobre o silêncio, sobre o silenciamento em diferentes dimensões e relações. Isso foi o que me impulsionou a criar esses desenhos, fui tomando consciência disso nos últimos anos”, conta a artista.
Além das figuras femininas, outro elemento muito recorrente em sua obra como um todo são as selvas. Sob claro e o escuro do grafite, troncos e cipós são redimensionados para um microuniverso condensado no papel, que se perdem na mistura entre fios de cabelo e as pequenas criaturas da mata que, por vezes, surgem nas imagens. Nesta mostra, o elemento da floresta também aparece na técnica fotográfica.
SOFIA LUCCHESI é fotógrafa e estudante de Jornalismo da Unicap.