Curtas

Erva brava

Paulliny Tort se destaca em seu primeiro livro de contos, que traz 12 histórias passadas em um município fictício de Goiás, chamado Buriti Pequeno

TEXTO Paulo Cezar Soares

08 de Maio de 2023

A ilustração compõe a capa do livro

A ilustração compõe a capa do livro

Imagem Rodrigo Yudi Honda/Divulgação

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Por meio dos seus personagens e suas idiossincrasias, Erva brava (Fósforo, 2021, 104 pp) perpassa diversas mazelas do cenário brasileiro. São 12 histórias que retratam a vida no centro-oeste do país. Difícil destacar uma especial. “É um livro de contos, composto por narrativas curtas, todas elas ambientadas no mesmo cenário, um município fictício de Goiás, Buriti Pequeno, cerrado brasileiro, escritas num texto conciso e objetivo. São histórias independentes, mas elas se ligam por um mesmo momento histórico”, explica a autora, Paulliny Tort, ganhadora do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA, 2022). 

Em O cabelo das almas, as agruras diárias do casal Chico e Rita na luta pela sobrevivência. Chico vendeu a terra em que viviam. Ficou deslumbrado com o dinheiro que recebeu. Poderia comprar algumas coisas que viu na loja de eletrodomésticos, recém-inaugurada na cidade. E comprou. Mas o dinheiro acabou. A mulher questiona a venda da terra e diz: “Fizeram você de besta”. 

Praticidade, pragmatismo e religiosidade em Santíssima. Mulher de oração e com habilidade para serviços manuais está sempre pronta para ajudar – e socorrer – as comadres. Encara isso como missão. É também a parteira de plantão, especialmente para mulheres que, por um motivo qualquer, acabaram ganhando uma barriga indesejada. Mas garante que não tem gosto por essa parte da missão. Ressalta que nunca procura motivos para as coisas serem do jeito que são; basta que sejam. 

Matadouro conta a história de uma mãe que chora com a partida da filha de Buriti Pequeno para a cidade grande. A menina foi convidada para morar em Goiânia. Sabia dos progressos que a filha teria acesso – estudar, aprender coisas novas, mas tinha medo do que a cidade poderia fazer com ela. Sentada num banco de madeira nos fundos do casebre, Irene pensava na partida da filha e no dia em que a madrinha, que não era bem uma madrinha, pelo menos não de batismo, decidiu levar a menina para Goiânia. Quando retornasse, teria vergonha de um analfabeto? Conversariam sobre o quê? Nas suas especulações, perguntas que ficaram sem respostas. Suas preocupações deixam de fazer sentido quando chega a trágica notícia de que a filha morrera atropelada por um ônibus. 

Dita é a protagonista do conto O mal no fundo do mar, com sua rotina de extrema pobreza. Esquenta a água que pegou na cisterna, enche o bule amassado e o coloca no fogo. O pão dormido é requentado no vapor d’água para ficar macio.

Em Carne de paca, Joaquim Baiano planta legumes na sua terra e depois vai vender na feira. Suas abóboras, por serem grandes demais, despertam a curiosidade dos fregueses. Por que na sua terra as abóboras são tão grandes? Desconfiavam que fizesse alguma coisa em segredo. Mas o quê? Joaquim não tem mulher, se chegou a namorar alguém ninguém sabe e, ao contrário da maioria dos homens, nunca achou diversão nas mulheres da vida. Para ganhar algum dinheiro, a contragosto, acaba alugando um espaço na sua terra para uns rapazes de estilo aventureiro. 

A confissão de um crime é o fio condutor de Mandiocal. Maria revela para o atual marido por que matou o ex-marido usando um machado e enterrou o corpo no quintal da casa. 


Imagem: Divulgação

E, na última história, Rios voadores, a revolta e a força da natureza – a enxurrada destruindo tudo – diante da ação predatória do homem, exemplos que deixam à mostra peculiaridades e o descaso das autoridades com determinadas questões, como o meio ambiente. “Minha família materna é de Goiás. Tive essa vivência familiar de visitar o interior. E depois, mais velha, senti o interesse por esse ambiente de cultura”, revela a autora. 

Neste que é seu primeiro livro de contos, fica constatado que Paulliny integra o grupo de escritores brasileiros destacados na literatura contemporânea. Ressalte-se que, no seu romance de estreia – Allegro ma non troppo (Oito e Meio, 2017) –, marcou presença: foi semifinalista do Prêmio Oceanos. Trata-se de um prêmio literário para livros de autores lusófonos publicados em qualquer país de língua portuguesa. 

A respeito do significado do título do livro, que à primeira vista pode causar surpresa para alguns leitores, uma das histórias revela o sentido. “Isso, durante a leitura, o leitor vai ter que descobrir” – acentua, de forma bem-humorada, a brasiliense Paulliny Tort, jornalista, mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade de Brasília. Estuda Ciências Biológicas e possui interesse por evolução e divulgação científica. Atualmente trabalha na Rádio Nacional da Amazônia.

PAULO CEZAR SOARES, jornalista.

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