Erasto Vasconcelos
Um ano depois de sua morte, veremos o renascimento deste artista único de Olinda através do curta de animação 'Fazenda rosa', que estreia em novembro no Animage
TEXTO Sofia Lucchesi
27 de Outubro de 2017
Erasto Vasconcelos durante a apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns de 2013
Foto Eric Gomes/Secult-Fundarpe
Ainda no início da adolescência, ouvi falar pela primeira vez de uma terra que, dali do meu mundinho entre a casa e a escola, no Recife, parecia um tanto distante:
Eu cheguei nos Quatro Cantos,/ olhei a Rua Treze de Maio,/ segui São Bento, segui Amparo,/ fui parar no Bonsucesso… (Guia de Olinda, Erasto Vasconcelos)
Não só sonhava com essa cidade – que conhecia muito mais por “cartão-postal” e aula passeio da escola –, como também imaginava quem seria aquele senhor que me guiava com sua voz simpática por entre as ruas de um lugar vizinho, mas ainda a ser desbravado por mim. Este senhor era Erasto Vasconcelos e o álbum, Original Olinda style (2003), da banda Eddie, que havia chegado até minhas mãos – na verdade, até meu computador e Ipod –, anos depois do seu lançamento. Foi por intermédio da Eddie que cheguei até Erasto, o meu “guia de Olinda”.
Quando comecei a frequentar de verdade o sítio histórico olindense, em 2013, vi materializado aquele senhor que já morava em meu imaginário afetivo. Hoje, um ano depois de seu falecimento, sei muito mais sobre o meu “guia de Olinda”: Erasto era compositor, instrumentista e letrista. Morou em Nova York e no Rio de Janeiro, mas era poeta de Pernambuco, de Olinda. Em 2005, realizou o sonho de lançar finalmente, depois de décadas de trajetória artística, seu primeiro álbum solo, Jornal da Palmeira. O trabalho foi produzido por Marcelo Soares e Fábio Trummer, da Eddie. Trummer, seu amigo e “discípulo”, gravou também, com sua banda, algumas composições de Erasto nesse seu primeiro disco solo, como Maranguape, O Baile Betinha e, ela, Guia de Olinda.
A animadora Marila Cantuária, uma das realizadoras do videoclipe de O Baile de Betinha, lembra da gravação e da história da música: “Fomos com Erasto para a noite Cubana [no Clube Bela Vista, Recife]e levamos uma boneca de mamulengo, que era a 'Betinha'. Foi um momento muito divertido, várias pessoas dançaram com a boneca, além do próprio Erasto. Lembro ele nos contando sobre Betinha, a mulher real, que era uma moça que ele conheceu na infância e foi um dos seus primeiros amores, uma moça mais velha que ele admirava muito e tinha ido ao baile procurá-la”.
A partir da realização do clipe, Marila e Chia Beloto, que também participou do vídeo, passaram a frequentar a casa do artista, em Maranguape, Olinda. Durante um desses encontros, elas encontraram Fazenda rosa, composição ainda pouco conhecida pelo público. Nesta obra, o poeta, acompanhado de sua flauta, nos conduz pela paisagem sonora de um lugar como Sítio Novo, bairro onde viveu durante sua infância, tão real quanto ficcional. O passeio é dividido em três partes: Pio tagarela, Cantigas de Rosa e Nau catarineta.
Entre sonhos, ficção e realidade/ debruça-se fantasias/ que envolvem adultos e crianças./ Cachoeira, Rio, Mangue,/ Mar, frutas, flores, bichos (Fazenda rosa, Erasto Vasconcelos)
ANIMAÇÃO
A descoberta deu início, tempos depois, ao processo de criação da animação, em curta-metragem, que leva o mesmo nome da obra. “Erasto tinha muito material guardado e precisava de ajuda para catalogar. Guardava tudo numa grande caixa, a 'caixa de alfaia', desde desenhos, poesias, letras de músicas e até lista de supermercado. Foi lá que achamos a Fazenda rosa, esse lugar mágico que ele descreve em 49 minutos de gravação”, revela Chia Beloto.
Um ano depois da morte do artista, assistiremos ao renascimento do seu trabalho na próxima edição do festival Animage, que acontece entre o fim de novembro e início de dezembro no Cinema São Luiz, no Recife. Na estreia do filme (uma animação em stop motion), o público pode se deixar levar pela voz desse senhor de muitas aventuras e de muitos lugares, guiando a gente nas ladeiras das Ólinda ou em outro lugar tão mágico quanto.
SOFIA LUCCHESI, estagiária da Continente, estudante de Jornalismo da Unicap e fotógrafa.