Numa fria Moscou de 1938, nasceu Liudmila Petruchévskaia, sob o regime de Stalin. Fugiu, passou fome, mendigou, mas já aos 32 anos (depois de se formar em Jornalismo), publicava seus contos em revistas e em publicações clandestinas – muitas delas manuscritas, na tentativa de driblar a censura comunista, pois seus escritos haviam sido proibidos. Embora o controle ainda existisse, mas de maneira menos veemente, Liudmila passou a escrever para o teatro. Na verdade, o motivo da escritora ser insuportável para a União Soviética – que vigiava sua família, até mesmo com telefones grampeados – era porque, já naqueles tempos, seus escritos relatavam a realidade de quem vivia sob o regime ditatorial. Foi, portanto, nos palcos que ela desenvolveu sua escrita de maneira mais desarraigada, enquanto jamais deixou de escrever histórias inspiradas no próprio círculo, nas conversas que ouvia ou nas pessoas que conhecia. Guardava-os para um momento oportuno.
Quando o governo russo, sob Mikhail Gorbachev, implantou a glasnot e a perestroika, momento de abertura política e reestruturação governamental, a escritora viu a oportunidade para lançar seus manuscritos escondidos. Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha, lançado na Rússia em 2009 e no Brasil este ano, pela Companhia das Letras, é uma coletânea desses contos guardados e tantos outros. São histórias do dia a dia, mescladas a uma aura de terror e fantasia. O conto que inspira o nome da publicação, A vingança, é um dos mais interessantes da coletânea.
Liudmila nos permite imaginar várias possibilidades de finais, ainda na metade das histórias. A condução de seus contos, assim, parece nos levar a um determinado local, quando, no desfecho, acontece o que se pode chamar de plot twist, a mudança inesperada que nos arrebata. É assim com A vingança e com O braço.
Porém, se focarmos estritamente no que o gênero terror promete, talvez alguns de seus contos não sejam tão amedrontadores ou assustadores: a palavra que melhor os define é impactantes. Para fora do eixo contos de horror, descobrimos – sob o véu do gênero – uma Rússia, ou União Soviética ocultada. De soldados e civis, machucados e violados, o próprio véu da fantasia é como um tecido fino, transparente, um véu de realidade que, em vez de separar o mundo real do mundo fictício, mais os une numa só realidade. Um espelho. Não à toa os soviéticos perseguiam seus escritos, uma vez que não passavam nem de perto a ideia de vitória, força e conquista que os comunistas pretendiam incutir no povo. Era uma vez uma vizinha que tentou matar o bebê da vizinha é, pois, um convite para o país e seu povo, durante o regime e pós-regime iniciado com a Revolução Russa.
Em entrevista para IstoÉ, a escritora afirma que – ao contrário do que primeiramente denuncia seu livro – sua intenção jamais foi de fazer arte politizada, ou de se utilizar da arte para denunciar, simplesmente escrevia o que via, o que sabia que acontecia – o que não deixa de ser um ato político.
Para lançar Era uma vez no Brasil, Liudmila Petruchévskaia veio a São Paulo, no mês de fevereiro, participando de uma festa de lançamento que incluiu um pocket show, pois ela também é cantora. Em sucesso emergente, Liudmila é considerada um dos grandes nomes atuais da literatura russa.