Dois mil e vintefoi um ano difícil. Sim! Não podemos negar isso. Minha mãe diz que o problema são os anos com números pares, eu rebato perguntando “e a Copa do Mundo de 94? Melhor Copa de todas…” e ela responde: “Em 94, perdemos Senna”. Enfim… ela tem suas razões de preferir anos ímpares. Nossa… mas eu nasci em 86! Vou ter que levar isso para minha terapia.
Porém, independentemente deste ser um ano par, não podemos negar que foi um ano surpreendente. Logo depois do Carnaval, que é exatamente quando o ano realmente começa, tivemos o maior plot twist, ou ponto de virada, se preferir, da história desse período. Um fato que marcará o ano de 2020 na história da humanidade, a pandemia da Covid-19. Apesar da doença ter surgido em 2019, ela só se espalhou de forma pandêmica neste ano. E com isso entendemos que viver este momento é realmente muito complicado, para não usar outros adjetivos. Tivemos que nos adaptar, encontrar saídas e até descobrir novas formas de fazer o que antes fazíamos.
Se prestarmos atenção no campo das artes, talvez uma das cadeias produtivas que mais sofreram com os efeitos da pandemia, podemos perceber o quanto foi preciso se adequar a essa nova realidade e, apesar de todas as dificuldades, muita coisa interessante surgiu nessa fase, então vamos falar de algumas delas.
No teatro, onde aglomerar é sinônimo de sucesso, os artistas tiveram que se entender com o formato online, não que essa ferramenta já não fosse usada antes, mas, sem dúvida, não era tão usada assim. Se buscarmos observar os pontos positivos dessa situação, um deles será o fato de que esse formato digital de fazer teatro fez também com que barreiras geográficas caíssem por terra, possibilitando assim amplo acesso a conteúdos criados em diversos lugares.
Para começar, gostaria de falar de Peça, com a brilhante atuação de Marat Descartes. Esse trabalho de São Paulo foi idealizado por Marat e contou com a direção de Janaína Leite. A Peça conseguiu transpor de forma magnífica o jogo teatral e a relação entre o que é real ou ficção para a plataforma do Youtube. Outro projeto, também da capital paulista, a que todos deveriam assistir é o Poemas em queda live, uma adaptação do trabalho de palco da Cia. Munguzá para as plataformas do Zoom e Youtube. A obra, que é assinada pela companhia e pelo diretor Luiz Fernando Marques, conseguiu manter viva a beleza pulsante que existia na peça original. A adaptação foi dividida em três episódios e a terceira parte vai estrear ainda este ano; portanto, vale muito ficar ligado nas redes sociais da Cia. Munguzá e esperar o fim dessa história.
Voltando o olhar para o Nordeste, gostaria de destacar o Clã_destino, dos Clowns de Shakespeare, de Natal (RN). O trabalho da companhia potiguar dá continuidade à pesquisa do grupo sobre essas veias abertas da nossa América Latina. É um convite a uma fuga, a uma viagem, a uma festa! Usando várias plataformas, o público é conduzido pelos Clowns em uma experiência na clandestinidade virtual; na moral: é legal para caramba! Busquem sacar esse trabalho.
E peço licença a vocês para puxar a sardinha para o meu lado e falar brevemente das experiências criadas pelo grupo Magiluth, o meu grupo de teatro. Os dois “experimentos sensoriais em confinamento” criados pelo Magiluth são: Tudo o que coube numa VHS e Todas as histórias possíveis (aff, como eles gostam de nomes grandes), que buscam provocar no público, através de dispositivos sensoriais e cênicos, uma experiência de catarse com a história, conduzida individualmente pelos atores da companhia por múltiplas plataformas. Procurem o perfil no Instagram do Magiluth e agendem a sua experiência.
Tudo que coube numa VHS foi criado pelo Magiluth como “experimento sensorial em confinamento”. Imagem: Divulgação
Todos esses projetos citados são trabalhos criados durante o período da pandemia e todos eles são, além de uma criação artística, também um grito de resistência, uma forma de mostrar que – apesar das adversidades, e mesmo em momentos críticos – ainda assim, é necessário criar, é necessário ter alguma forma de arte no nosso dia a dia. Neste momento, você está lendo isso e pensando “que papo mais panfletário o desse boy” e eu penso: “É… é um pouco panfletário, sim, mas me conta como foi o teu lockdown? Não teve um minutinho desfrutando de alguma manifestação artística sequer? Duvido, bença!”.
Então, vou te dar mais algumas dicas de coisas legais que também estrearam em 2020. Se você é do time séries: Nada ortodoxa, uma série muito interessante na Netflix contando a história da jovem judia Esty; o único problema dela é que ela acaba. Outra série relevante para se assistir é I may destroy you, genialmente escrita e interpretada por Michaela Coel, uma grande obra sobre relacionamentos tóxicos e abuso sexual. Sério mesmo, vejam!
Agora, pra abraçar nossos ouvidos, esse ano nos deu o álbum Amor, saudade e tempo, de PC Silva, esse disco é pra fazer bem ao coração! PC Silva é um dos grandes compositores dessa nova geração de artistas pernambucanos que é importante vocês conhecerem mais. Apesar de tudo, podemos encontrar coisas belas surgidas em 2020.
GIORDANO CASTRO, ator, dramaturgo e um dos integrantes-fundadores do grupo Magiluth.