Fernando Weller dirigiu o 'doc' cujo tema foi tratado também em livro. Imagem: Clarissa Dutra/Divulgação e reprodução (capa)
No documentário Em nome da América (96 min, 2017), dirigido por Fernando Weller, é possível ouvir a declaração do então presidente no primeiro aniversário do projeto: “Aqueles que impossibilitam as revoluções pacíficas farão com que uma revolução violenta seja inevitável”. O longa-metragem, junto com o livro 5 temas sobre o filme Em nome da América – composto de cinco artigos relativos à presença dos Estados Unidos nesse período da nossa história, em Pernambuco – está encartado nesta edição da Continente, como um presente aos nossos assinantes e sócios do Clube de Leitura.
Os anúncios de outras revoluções já eram propagados pelo Nordeste e fortalecidos com revolta por vozes como a de Francisco Julião, advogado do município de Bom Jardim que emergia como liderança das Ligas Camponesas. Os movimentos populares se faziam dissonantes aos interesses norte-americanos e do governo militar brasileiro, pedindo reforma agrária e oferta de serviços públicos para os trabalhadores. E foram justamente eles que conviveram com voluntários americanos vinculados aos Corpos da Paz, agência federal dos EUA na qual o filme mergulha. E traz, a partir de imagens históricas, uma visão sobre a política externa do país e seu impacto sobre nós. Os “gringos”, inspirados por ideais de voluntariado, oposição ao comunismo ou fuga da Guerra do Vietnã, que transformava jovens em engrenagens bélicas, aterrissavam em solo pernambucano para desempenhar trabalhos de todos os tipos.
Sobre isso, Fernando conta: “É um momento rico, onde há muito conflito, mas também figuras que são emblemáticas. (...) A gente está tentando dar conta do papel que essas figuras tiveram, não só nos anos 1960, mas como construção de uma ideia de nação que estava posta e foi completamente frustrada pelo golpe militar de 64. O filme é só um aspecto dessa história, que não se esgotou, porque continua até hoje. Essa história das relações de influência, cooptação e sabotagem envolvendo os Estados Unidos e o Brasil segue até os dias atuais”.
As práticas do voluntariado apresentam contradições que refletem a própria sociedade estadunidense. Escapando dos maquinários da guerra, à qual vários dos entrevistados trazidos pelo filme se mostram contrários, serviam ao mesmo tempo a uma tentativa de reconstrução da imagem americana como país de propósitos solidários, encobrindo os efeitos das ações no Vietnã. Já o financiamento concedido pelos EUA, com uma promessa de fomento a ideais democráticos, alimentou o governo Castelo Branco enquanto este cassava mandatos de deputados opositores e reprimia militantes contrários ao governo.
Cena do documentário 'Em nome da América' mostra momentos de atuação dos voluntários. Imagem: Reprodução
O contraste entre os supostos ideais dos Corpos da Paz e as consequências da sua atuação levanta mais perguntas do que respostas em debate sobre a intervenção americana no Brasil. A esse respeito, a produtora do doc Carol Ferreira destaca a importância da constante rememoração: “É uma política sistemática, e que a gente tende a esquecer muito rapidamente”.
Realizado a partir de vasta pesquisa, o documentário remonta à influência da Igreja Católica, das peças de propaganda divulgadas pelo governo JFK e da própria imprensa na desarticulação dos movimentos sindicais brasileiros. Estes aspectos do filme foram aprofundados no livro 5 temas sobre o filme em nome da América, reunindo os tópicos em artigos como Nem inocentes, nem úteis: os voluntários da paz no Brasil, escrito por Cecília Azevedo, que abre os textos analisando as motivações e influências dos voluntários. Também estão presentes artigos de Felipe Loureiro, Jessie Jane Vieira de Sousa, Vandeck Santiago e do próprio diretor.
Produzido sob o impacto das transformações que vivemos desde junho de 2013, Em nome da América não enfoca os caminhos que trilhamos desde então, mas diz muito sobre como chegamos até eles.
MARINA PINHEIRO é jornalista em formação pela UFPE e estagiária da Continente.