Curtas

Em documentário, Racionais MC’s repassa sua trajetória

Filme de Juliana Vicente estreia dia 16, na Netflix, e reúne Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay para contar a história de um dos mais importantes grupos de rap do país

TEXTO Mariane Morisawa

11 de Novembro de 2022

Imagem Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

Final dos anos 1980. Dois garotos da zona sul da cidade de São Paulo e dois rapazes da zona norte encontram-se no Largo de São Bento. Nasce assim o maior e mais influente grupo de rap do Brasil, o Racionais MC’s. Agora, um documentário conta essa trajetória de mais de 30 anos. Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo, de Juliana Vicente, fez sua pré-estreia na 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro, antes de seu lançamento na Netflix, no próximo dia 16.

Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay nunca foram muito de dar entrevistas, o que torna as conversas individuais e em grupo, regadas por cerveja, ainda mais preciosas. Ali, os quatro analisam sua jornada e contam alguns poucos causos divertidos. Os papos são ilustrados por imagens antigas, que documentam o início até os dias de hoje.

“A viagem para o centro era quase espiritual”, diz Mano Brown. Sem dinheiro para nada, com o estômago roncando, ele conta que se alimentava “das luzes”. As luzes que faltavam no Capão Redondo, de onde vinha, uma região então bastante violenta, em que tudo faltava. O produtor Milton Salles, que promove a junção das duplas Mano Brown-Ice Blue e Edi Rock-KL Jay, incentiva os quatro a falarem de suas realidades, a defenderem seu povo. “Não tenho nem chuveiro quente, como vou defender o povo?”, questiona Brown, lembrando-se de como pensava na época. Eram só garotos.


Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay analisam sua jornada e contam alguns poucos causos divertidos, em uma conversa regada a cerveja. Foto: Divulgação

Surgem pouco depois do final da ditadura, quando a periferia de São Paulo era tomada pelos grupos de extermínio. Andar nas ruas era desviar de cadáveres. Os primeiros discos deixam esse clima tenebroso muito claro. “O tipo de racismo que se vive no Brasil é o racismo que esvaziou o preto porque não deixou nem ódio. Porque o ódio é útil numa guerra, entende? Uma coisa é você ter revolta e outra coisa é você não ter nada”, diz Brown. A união com os movimentos negros foi fundamental para sua missão, uma palavra frequentemente proferida no documentário. O Racionais leva isso a sério.

Eles cantaram e cantam a condição das pessoas pretas, pobres e periféricas, marcada pelo racismo, pela violência, inclusive policial, pela falta de perspectiva. E impulsionam esses jovens a entender sua realidade e a lutar. Por isso, são perigosos para o sistema. Chegam a ser presos no palco. Isso mesmo depois de o álbum Sobrevivendo no Inferno (1997) virar sucesso nacional, ultrapassando a periferia, chegando às universidades e até aos playboys. Alguns shows têm episódios violentos. Decidem pausar e repensar como podem ser úteis para o seu povo.

Voltam em 2002, com outro álbum elogiado, Nada como um dia após o outro dia. Mas, cinco anos depois, há um confronto entre fãs do grupo e a polícia, durante uma Virada Cultural. Eles não conseguem mais autorizações para apresentações do tipo. Retornam apenas em 2012, com uma turnê comemorativa de seus 25 anos. Cores & valores, o primeiro disco desde 2002, saiu em 2014.


Racionais MCs no início de carreira. Foto: Divulgação

Nos últimos anos, o Racionais vira leitura obrigatória no vestibular da Unicamp e apresenta-se no Rock in Rio. Brown tem um podcast no Spotify. E agora, um documentário na Netflix.

O mundo e o Brasil mudaram desde a década de 1980. Mas o Racionais, também. A única coisa que não mudou é a sua missão de levar consciência sobre a realidade de milhões de brasileiros.

Racionais: Das ruas de São Paulo para o mundo unifica e apresenta essa história para quem não a conhece. É perfeito para uma plataforma para a Netflix. Mas deixa a sensação de que poderia ter mais, ser mais solto, menos fechado em um estúdio. Para dar conta de tudo, talvez fosse preciso uma série.

MARIANE MORISAWA, jornalista apaixonada por cinema. Morou em Los Angeles por sete anos e cobre festivais em todo planeta.

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