Eduardo Coutinho está, certamente, entre os autores mais marcantes da produção artística brasileira de todos os tempos. O arco de sua obra – desde a ficção e o telejornalismo, passando pelo documentário de encontro e entrevista que o consagrou, até chegar à sua fase tardia, de revisão do método e de maior tensionamento entre a fabulação e o real – é de coesão espantosa, ainda que tenha sido trilhado na convivência de acasos e adversidades. Em uma fala sobre o ponto de virada que Santo forte (1999) representou na sua carreira, registrada em livro de Consuelo Lins, Coutinho comenta sobre a fase que antecedeu esse longa-metragem: “A insegurança era total, com descobertas pontuais, recuos e avanços. Não era só o problema de não ter dinheiro, mas de não ter coragem suficiente para arriscar. Eu não fazia filmes não por injustiça do mundo, mas também porque não tinha segurança em pedir coisas, fazer política. Estava em um pântano, tão no fundo do poço que tinha que ser alguma coisa que eu quisesse fazer, pessoal, não me importando com nada. Por isso ‘Santo forte’ tem um lugar estratégico, foi um episódio dramático na minha vida pessoal. Aí me senti vivo de novo e liberto das regras. Foi ‘Santo forte’ que me deu a confiança para continuar a filmar”.
Vista em perspectiva, a sua filmografia reflete um artista que tinha muita clareza do projeto que desejava realizar. Em São Paulo, o público poderá atestar a orquestração de aspectos estéticos, éticos, técnicos, subjetivos e metodológicos que orbitavam o seu trabalho na nova Ocupação Itaú Cultural, que vai homenagear o documentarista. A mostra entra em cartaz no dia 2 de outubro, quando ocorre ainda o lançamento do livro Sete faces de Eduardo Coutinho, do pesquisador Carlos Aberto Mattos, cocurador do evento junto à equipe do Núcleo de Audiovisual e Literatura e de Memória e Pesquisa do próprio Itaú Cultural. O Instituto Moreira Salles (IMS), detentor do acervo do cineasta, também é parceiro nessa produção.
A Ocupação Eduardo Coutinho, que contempla vida, trajetória, processo de criação e obra do diretor de Cabra marcado para morrer (1984), permanece em cartaz até 24 de novembro. Nesse período, haverá exibição de filmes, uma masterclass e um curso. A pesquisa de personagens, os ritos de trabalho e as decisões de montagem são alguns temas abordados na programação. Projetos menos conhecidos do realizador também serão contemplados, como os três primeiros filmes de sua carreira, realizados na década de 1950, nos tempos de estudante no Institut des Hautes Études Cinématographiques (Idhec), em Paris: o curta de ficção surrealista Le téléphone, o documentário inconcluso Saint-Barthélemy, e La Maison du Brésil, registro encenado do cotidiano da Casa do Brasil, onde estava hospedado.
A masterclass (07/10) será ministrada por João Moreira Salles, responsável pela produção de quase todos os filmes lançados pelo documentarista a partir dos anos 2000. Em sua palestra, o jornalista vai abordar aquilo que chama de uma gramática mínima do cineasta. “Elimina-se roteiro, locação, movimento de câmera, cenário, pesquisa, tema e, no limite, até o diretor: ainda é filme?”, provoca a descrição do evento que, como de costume nas atividades da instituição, será acessível em Libras. Já o curso intitulado “O cinema de Eduardo Coutinho” acontece de 20 de outubro a 2 de novembro e será composto por quatro aulas, ministradas por profissionais que trabalharam com o realizador.
O primeiro encontro (30/10) será com Carlos Aberto Mattos, com foco no início da carreira do homenageado, abordando sua relação não só com o cinema de ficção, mas também com o teatro. No dia seguinte (31/10), Cristiana Grumbach, assistente de direção e pesquisadora de filmes como Peões (2004) e O fim e o princípio (2005), vai tratar das buscas por personagens nos filmes de Coutinho. A terceira aula (01/11) abordará a questão da narratividade e dos dispositivos, assunto conduzido por Consuelo Lins, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro que integrou a equipe de filmes como Babilônia 2000 (2001) e Edifício Master (2002). No último dia do curso (02/11), Eduardo Escorel, montador de Cabra marcado para morrer, propõe uma reflexão das gravações das conversas nos filmes do documentarista enquanto encontros amorosos. As inscrições para o curso vão do dia 1 ao dia 16 de outubro, no site do Itaú Cultural.
OCUPAÇÃO EDUARDO COUTINHO
Abertura: 2 de outubro, a partir das 20h
Com lançamento do livro Sete Faces de Eduardo Coutinho
De terças-feiras a sextas-feiras, das 9h às 20h (permanência até 20h30)
Sábados, domingos e feriados, das 11h às 20h
Mostra de filmes – Terças de Cinema
Nos dias 1,8,15,22 e 29 de outubro e 5, 12, 19 e 26 de novembro