Entre elas, estão Chris Machado, Dani Acioli, Joana Liberal, Kilma Coutinho, Marina Feldhues, Rebecka Zamali, Renata Pires e entre tantas outras que dialogam com o universo feminino e feminista e reivindicam o lugar da mulher nas artes visuais. “Essa exposição, para mim, é muito o símbolo da Casa do Cachorro Preto e da Casa Balea, que tem essa reunião de mulheres potentes e continua sendo uma mostra que traz muita novidade. São trabalhadoras que são artistas fantásticas e conseguem mostrar essa força, delicadeza e essa capacidade de mudar a si e as pessoas que vêm aqui e assistem ao trabalho delas com visão de mundo”, resume Sheila Oliveira, jornalista e coordenadora da exposição em entrevista à Continente.
Todas as produções das artistas são ricas em detalhes e revelam uma pluralidade de visões permeadas pelo desconforto com as problemáticas sociais ainda enraizadas na sociedade, seja na questão da sexualidade ou pelos problemas políticos e socioeconômicos que o Brasil carrega em seu berço histórico. “Além de abranger todo mundo que se considera uma mulher, seja cis, trans, não binárias e todas as mulheres, essa exposição é menos uma homenagem e mais uma reivindicação”, afirma a curadora Beatriz Arcoverde, que acompanha o trabalho das artistas desde edições anteriores.
Sou porque (nós) somos, Marina Feldhues. Foto: Renata Pires/Divulgação
Quando entro na sala da exposição, me deparo com a obra Sou porque (nós) somos, da artista Marina Feldhues, que se apropria de imagens da antropometria e utiliza a técnica da fotomontagem digital, para reimaginá-las em sua própria construção inicial. O trabalho, com mais de 2 metros de altura, é visto logo na entrada da exposição e chama atenção porque a artista utiliza o nu frontal da fotoantropometria para se rebelar contra ele. “É um nu de recusa, recusa ao 'direito de olhar' do espectador. Ao mesmo tempo, procuro redimensionar essa corpa para além dos 18 cm do papel fotográfico em que foram originalmente impressas. São corpas excessivas, nem o arquivo nem as 'ciências' do ocidente, nem o olhar dos espectadores conseguem dar conta de sua monumentalidade infinita. Nesse trabalho, eu procuro reconhecer minha existência como múltipla e como a continuidade da existência das mulheres que estão sobrepostas à minha corpa como camadas de tempo, de vida, que me compõem e me protegem”, enfatiza Marina.
Outra artista que está na exposição e também faz uma pesquisa sobre corpos, sexualidade e a questão das mulheres na sociedade é Joana Liberal. Ela constrói duas pernas volumétricas de cerâmicas em pequenas proporções que estão em posições sexuais, fazendo uma crítica sobre a adequação indevida dos corpos femininos. “O nome desse trabalho é Permissividade indevida e eu acho que vai muito sobre as posturas que as mulheres são cobradas a ter na sociedade e também vem muito da minha história e tudo que eu vivencio e escuto de outras mulheres. Também é sobre essa questão da liberdade corporal e de como a gente deve se comportar em determinados lugares”, descreve.
Permissividade indevida, Joana Liberal. Foto: Renata Pires/Divulgação
Manifesto solitário, Renata Pires. Foto: Renata Pires/Divulgação
Ainda durante a visita, pude conversar com a artista e fotógrafa Renata Pires, que apresenta na mostra um díptico fotográfico com autorretratos intitulado Manifesto solitário. A primeira foto foi registrada no dia 28 de outubro de 2018, fazendo menção a Jair Bolsonaro na época em que foi eleito presidente da República. “Essa foto nasceu de uma mistura de sentimentos que eu senti com essa notícia e sozinha em casa, um pouco desesperada, ela aconteceu com um gesto artístico ao que estava acontecendo”, contou a recifense, que produziu o trabalho quando estava na França.
Já o segundo autorretrato, a artista produziu uma nova fotografia este ano tendo a cor vermelha como uma maior extensão sobre a obra para demonstrar uma simbologia de luta, força e representatividade diante do cenário político que o país se encontra atualmente. “O vermelho é a cor simbólica da esquerda, comunismo, socialismo e várias outras manifestações de pensamento, mas o vermelho na nossa história, enquanto o povo brasileiro, também traz a memória dos nossos ancestrais, dos nossos povos originários que utilizam essa cor, como também uma ferramenta de expressão e de comunicação da linguagem”, afirma.
É nesse misto de sentimentos e linguagens que abarcam diferentes técnicas que a artista Rebeka Zamali trabalha com materiais recicláveis e constrói a obra Palafitas. Seu intuito é mostrar a desigualdade social ainda presente no Recife, especificamente no bairro do Bode. "Infelizmente você vê a situação que as pessoas passam porque, enquanto eu tava pesquisando pela imagem, você vê o quanto que muitas pessoas sofrem em relação à pandemia e agora eu observei bastante em relação a não ter o recurso necessário”, afirma a artista.
Palafitas, Rebeka Zamali. Foto: Renata Pires/Divulgação
Diversificando visões diversas, a coletiva coloca as mulheres em evidência, saindo do lugar de musas inspiradoras e indo para um lugar de artistas e produtoras de arte e da cultura, suprindo uma lacuna onde não tinham tanta visibilidade na sociedade. Hoje, indo na contramão desse viés arcaico, as mulheres continuam produzindo e mudando a realidade artística e socio-histórica das galerias de arte. “O mundo da arte ainda é muito masculino e as mulheres estão produzindo o tempo todo, e a gente abrir esse espaço para dizer isso num mês que é dedicado a um mês de luta, a gente acha que é muito importante,” aponta a curadora Beatriz Arcoverde.
A exposição fica em cartaz até o dia 27 de março, com entrada gratuita, mediante apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras. A visitação é aberta ao público de quinta a domingo e as obras estão disponíveis para aquisição.
CARINA BARROS, jornalista em formação pela UFPE e repórter estagiária da Continente.