Curtas

Cena Cumplicidades evidencia a autoria na dança

Em sua 9ª edição, o festival reúne 20 espetáculos, apresentados entre 11 e 23 de outubro, com predominância de solos

TEXTO Revista Continente

11 de Outubro de 2019

A bailarina Mari Paula apresenta dois espetáculos, ministra oficina e participa de residência

A bailarina Mari Paula apresenta dois espetáculos, ministra oficina e participa de residência

Foto Humberto Araujo/ Divulgação

O que se destaca na programação do Cena Cumplicidades deste ano, que ocorre entre os dias 11 e 23 de outubro, é a forte presença dos espetáculos solo. A nona edição do festival dedicado às artes da cena com foco na dança buscou seu eixo nessa modalidade, como explicou o coordenador e curador Arnaldo Siqueira: “procuramos que a unidade fosse a motivação do bailarino em passar uma mensagem autoral ao público”. Não é de estranhar, nesse caso, que muitas apresentações sejam justamente fruto da investigação mais íntima dos artistas desse circuito. Veja, por exemplo, KA-F-KA, espetáculo que abre a programação e é divulgado como “o trabalho mais autobiográfico” do franco-iraniano Mehdi Farajpour. Ou o solo Pulse(s), do também francês Filipe Lourenço, multiartista que pratica danças tradicionais do Magrebe (região Noroeste da África) desde a infância e que “retorna aos seus primeiros amores coreográficos, questionando a própria herança dessas culturas ancestrais”. No total, serão 20 espetáculos distribuídos pelo Teatro de Santa Isabel, Teatro Apolo, Teatro Hermilo Borba Filho e espaços públicos na Cidade Alta de Olinda.


KA-F-KA é o espetáculo de abertura do festival. Foto: Nick Bowers/Divulgação

Alguns bailarinos participam da programação não só em cena, mas também em atividades formativas. É o caso de Valeska Gonçalves, da Nalini Cia de Dança, que realiza a estreia de Titiksha, uma tentativa de personificar o conceito milenar que dá nome à obra e que significa resiliência. Além de apresentar a sua guerreira mística, a artista também ministra uma oficina de dança contemporânea entre os dias 14 e 21 de outubro. Já Mari Paula é a atração mais recorrente da edição. Ela apresenta dois espetáculos, Retrópica e Devórate, sendo este último o projeto vencedor do Programa Iberescena 2019. Ambos derivam de momentos diferentes da pesquisa sobre a antropofagia que vem desenvolvendo nos últimos anos, assunto que rege a sua oficina no Cena Cumplicidades.

“No Retrópica, da época em que eu estava vivendo na Espanha, eu investigo a relação da cultura tipo exportação entre Brasil e Espanha, então eu começo a questionar se Brasil é só samba, se Espanha é só flamenco. O primeiro trabalho está bem estruturado no externo, na estética, no pensamento. Aí este ano eu fui contemplada com o Iberescena para continuar desenvolvendo a ideia de antropofagia e quis aplicar esse trabalho mais ao corpo, uma antropofagia corporal a partir das pessoas que colaboravam comigo. A oficina eu estou direcionando mais para esse segundo momento, que é essa investigação no corpo do outro, como comer, digerir o que me interessa do corpo do outro. Isso é muito legal porque deixa de ser uma cópia e passa a ser uma apropriação. Isso é também o que eu estou vivendo com a Alexandra Mabes”, explicou Mari Paula à Continente.


Oficina Corpo antropofágico. Foto: Cayo Vieira/Divulgação

A bailarina chilena Alexandra Mabes é sua interlocutora em uma residência fruto de uma parceria entre a Funarte e o Ministério de Cultura do Chile, que teve a primeira etapa em Campina Grande, passa agora pelo Cena Cumplicidades e terá uma fase final no NAVE, centro de artes vivas do Chile. Mabes também conversou com a Continente sobre os seus trabalhos e a experiência de troca na qual estão imersas.

“Meu trabalho de criação transita entre a performance e a dança. Às vezes não se pode realizar de imediato um trabalho coreográfico; às vezes não tens espaço ou dinheiro para fazê-lo. Então a performance é uma maneira de me aproximar e de saciar a minha ansiedade criativa. Venho trabalhando há muitos anos na dança, e desde muito pequena. Meu trabalho está vinculado a uma evolução pessoal, que espero que tenha a ver com uma evolução coletiva.”, conta Alexandra Mabes.

Suas atividades atuais cruzam o interesse por materiais e experiências primitivas com questões contemporâneas. “Agora estou trabalhando com o cobre, que é o mineral principal que tem no Chile e é um material presente em todo aparato tecnológico. É um mineral de alta condutividade, que transmite energia, é canalizador, é condutor, então faço uma analogia entre o corpo e esse mineral, que também representa um lugar político para o meu país. Eleger essa matéria me situa politicamente. No passado, no Chile, o cobre era o modo do país fazer dinheiro. Mas a extração foi sendo privatizada, então essa riqueza não se devolve ao Chile, ela vai para o exterior. Além disso, o dinheiro dessa atividade econômica era muito direcionado para armamento, então também tem a ressignificação do mineral, pois é um material que se usava na Antiguidade para fazer bacias de água, se usava de maneira mais ritualística e simbólica, e agora é um mineral que está violentado.”

A residência é um espaço para Mabes e Mari Paula intercambiarem métodos, sensibilidade e ferramentas de trabalho, sem compromisso com um produto, mas as bailarinas já pensam em desdobrar a experiência em uma atividade de codireção.

Saindo da dimensão formativa e dos espetáculos solo, um destaque é Labranza, do coletivo espanhol Lamajara, que será apresentado no Alto da Sé. “Labranza” significa lavoura, e o trabalho é inspirado nos movimentos da prática agrícola no contato com a terra. O projeto se desdobrou em um workshop e em uma ação com crianças, todos relacionados a um resgate e a uma aproximação das identidades rurais. Outra iniciativa do festival é o Cena Universidades, que será composto por cinco espetáculos solos de alunos do curso de dança da Universidade Federal de Pernambuco, uma oportunidade para estudantes se apresentarem no palco oficial pela primeira vez.


Coletivo Lamajara faz apresentação gratuita no Alto da Sé. Foto: Tristan Perez Martin/Divulgação. 

O Cena Cumplicidades 2019 é patrocinado pelo Funcultura, pelo Governo de Pernambuco e pela Funarte, a partir do programa Iberescena. Também conta com a cooperação do Instituto Francês e do Consulado Geral da França para o Nordeste.

A programação completa está disponível aqui.

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