Desde as terapias orientais até a psicologia mais tradicional falam da importância do toque para desencadear processos de cura e de desenvolvimento de uma sociedade mais humana. Não é à toa que, quando o mundo se rende cada vez mais a rapidez de processos digitais e industrializados, há quem se preocupe em resgatar o valor das produções artesanais. É o caso da Casa do Derby, novo espaço dedicado às artes gráficas no Recife, que inaugurou no último dia 16 de maio, na esquina entre a Praça do Derby e a Rua Feliciano Gomes, no bairro central do Derby.
Com a proposta de recuperar a experiência da criação artística de uma forma mais sinestésica, o espaço busca proporcionar não só a apreciação visual das obras expostas no local, como também evidenciar, através de cursos, a força do trabalho manual para o amadurecimento de uma percepção técnica mais sensorial. “Hoje em dia, muita gente já está entrando no desenho através desse universo digital e está esquecendo um monte de conceitos, do tato com a aquarela, com a cor mesmo, por exemplo. Queremos resgatar esses valores e temos essa tradição. Tivemos grandes escolas de arte no Recife que ficaram meio perdidas no tempo”, observa o cartunista Ronaldo Câmara, que é responsável pela expografia da galeria.
Somente para o mês de julho, já estão previstos cursos de carimbo, caricatura, perspectiva, quadrinho e aquarela, por exemplo. A curadoria, feita pelo também cartunista Samuca Andrade, ainda estuda a possibilidade de oferecer, futuramente, aulas de litografia com o Mestre Hélio, dando a rara oportunidade aos moradores da cidade de ter fácil acesso a uma complexa arte secular, que transfere desenhos feitos em pedra para o papel. O Mestre Hélio, por sinal, foi homenageado pela I Quadrado Internacional de Gravura, a exposição que abriu a Galeria Quadrado, localizada no primeiro andar da Casa.
Eduardo Henriques, Ronaldo Câmara, Samuca Andrade e Tarsila Myrtle estão à frente da Casa do Derby. Foto: Tarsío Alves/ Divulgação
Para evidenciar a proposta do ambiente de contemplar a diversidade das artes manuais, a mostra reuniu artistas brasileiros, como Toni Braga, Luís Aprígio e Lailson de Holanda; e mexicanos, como Eduardo Robledo, Kalako e Maria Luisa Estrada. À frente da curadoria, Samuca ainda é auxiliado por um conselho, que inclui os demais sócios da Casa do Derby, sendo eles Ronaldo, o galerista e proprietário do imóvel, Eduardo Henriques, e a gestora do espaço, Tarsila Myrtle.
“Em tempos de tantas baixas para a cultura, esse espaço não deixa de ser nossa resistência, por tentar fazer cultura com recursos próprios. Estamos localizados em um endereço que sedia muitos protestos, que a Casa sirva também como protesto então. Queremos fomentar a arte, na medida do possível”, comenta Samuca que, ao lado de Ronaldo e Vitor Sá, também comanda o Café Cartum, localizado no piso térreo e no jardim da Casa.
Vale ressaltar que a valorização dos processos manuais também chegam à cozinha. Além de montar um cardápio sem pratos que envolvam fumaça ou gordura no seu preparo – para não prejudicar os quadros expostos na galeria – o Café tem como fornecedores pequenos produtores locais e comercializa comidas feitas com geleia caseira e pão, queijo e cerveja artesanais. “Às vezes, a pessoa vai à abertura de uma exposição e não volta mais para o espaço. Montamos o Café com intuito de dar um motivo para o visitante voltar aqui”, explica Samuca, que planeja promover eventos, como ações musicais e gastronômicas, para dinamizar o espaço.
Também no térreo fica a Qubo Loja, que vende artigos relacionados às atividades da Casa do Derby. “´Tudo que vai ter lá será relacionado ao que está circulando na Casa. É praticamente um conceito de atividades integradas, para sair do convencional mesmo”, esclarece Ronaldo, buscando garantir conforto e praticidade para professores, alunos e visitantes.
PATRIMÔNIO
A busca pelo manual é um resgate afetivo que também se espelha na estrutura do espaço, montado em um casarão arquitetado entre as décadas de 1930 e 1940. A construção pertenceu ao avô e, posteriormente, à mãe de Eduardo Henriques, que também viveu a sua infância no lugar. A partir da década de 1970, a casa passou a ser alugada para bares e pontos comerciais, que submeteram a construção a sucessivas interferências que descaracterizaram sua estrutura.
Para a Casa do Derby, os sócios buscaram retomar a identidade original do espaço, realizando um trabalho de recuperação, que trouxe à tona novamente o piso em granilite, colunas de pedra, varandas e janelas com armações originais. “Vivemos um período contraditório em que, ao mesmo tempo, vemos a destruição de patrimônios e um resgate da nossa história através de restaurações, e a gente se insere aí”, diz Ronaldo, ao resumir o trabalho de preservação da memória, não só do espaço físico, mas também de um fazer artístico que é um convite à convivência social.