Curtas

Canções Iluminadas de Sol

Pesquisa de Carlos Gomes traz aproximações entre a Tropicália e o Manguebeat

TEXTO Sofia Lucchesi

02 de Maio de 2018

Carlos Gomes publica o estudo que foi sua dissertação de mestrado

Carlos Gomes publica o estudo que foi sua dissertação de mestrado

FOTO Priscilla Buhr/Divulgação

[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 209 | maio 2018]

Queria aproveitar a hora para chamar uma pessoa muito importante aqui no palco. Uma pessoa de grandes obras na música popular brasileira. Uma pessoa de sentimento, uma pessoa que faz um som suingado. Um cara chamado Gilberto Gil!”, assim Chico Science anunciava para a plateia a entrada do músico baiano no palco do Abril Pro Rock de 1996, show histórico que marcaria a última participação da CSNZ no festival. De guitarra em mãos, um encapuzado Gil juntava-se à banda para tocar Maracatu atômico, canção de Jorge Mautner e Nelson Jacobina, regravada também pelo baiano em 1972, e Macô. Os dois já haviam estado juntos em outras apresentações no ano anterior, uma, no Central Park, e, outra, na premiação VMB, da MTV Brasil.

Os encontros do tropicalista com o mangueboy materializam uma conexão entre os dois movimentos, mas que já acontecia antes mesmo desses dois ícones se conhecerem. Fugindo de comparações deterministas, vale ressaltar: nem só de Chico Science & Nação Zumbi se fazia o movimento mangue, tampouco só de Gil & Caetano se compôs o Tropicalismo. Caminhando por tessituras menos totalizantes, o jornalista e pesquisador Carlos Gomes, fundador da revista Outros críticos, escreveu Canções iluminadas de sol: entre tropicalismos e manguebeats, dissertação de mestrado que acaba de chegar em formato de livro através de incentivo do Funcultura. O livro pode ser adquirido através do endereço eletrônico http://loja.outroscriticos.com e na loja física Passa Disco, no Bairro do Espinheiro, Recife.

Em sua investigação, Gomes observa o caráter antropofágico presente em ambos os movimentos, que beberam de referências múltiplas. Em seus diferentes traços “devorativos”, bem como em suas divergências e convergências nos elementos “devorados” em si, Tropicália e Manguebeat resultaram em processos de rupturas de paradigma na música brasileira, misturando o global ao local, cada um à sua maneira. Enquanto no movimento sessentista se viam “canibalizações” em colagem e paródia, nas bandas de cá muito se falava do sample, ideia que, segundo o pesquisador, equivaleria à colagem. Esse modo sui generis de fazer música, sampleando e remixando referências, libertando-se de marcações de gênero específicas, acabou por abrir esses campos mais livres para a criação musical na música brasileira.

“São ideias de ruptura, mas, ao mesmo tempo, de se dar com uma certa tradição, e ler essa cultura de raiz em diversas formas. Por exemplo, o Movimento Armorial lia a tradição de uma maneira que Fred 04 (da Mundo Livre S/A) chamava de “museificar” as tradições, de proteger. Já para o Manguebeat e para o Tropicalismo, a tradição, em si, é contemporânea. Então, por que não usar o coco, o maracatu, com outras coisas. É como se eles estivessem no mesmo tempo. É a ideia de que o tradicional pode ser tão vanguardista quanto a música eletrônica”, diz o pesquisador, que enfatiza também o subtítulo “entre tropicalismos e manguebeats”, combatendo a própria representação simplista que se deu midiaticamente ao mangue – “maracatu e coco com guitarra”: muitas são as tropicálias e muitos são manguebeats, e, por isso mesmo, muitos também permanecem sendo seus desdobramentos.

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