Os encontros do tropicalista com o mangueboy materializam uma conexão entre os dois movimentos, mas que já acontecia antes mesmo desses dois ícones se conhecerem. Fugindo de comparações deterministas, vale ressaltar: nem só de Chico Science & Nação Zumbi se fazia o movimento mangue, tampouco só de Gil & Caetano se compôs o Tropicalismo. Caminhando por tessituras menos totalizantes, o jornalista e pesquisador Carlos Gomes, fundador da revista Outros críticos, escreveu Canções iluminadas de sol: entre tropicalismos e manguebeats, dissertação de mestrado que acaba de chegar em formato de livro através de incentivo do Funcultura. O livro pode ser adquirido através do endereço eletrônico http://loja.outroscriticos.com e na loja física Passa Disco, no Bairro do Espinheiro, Recife.
Em sua investigação, Gomes observa o caráter antropofágico presente em ambos os movimentos, que beberam de referências múltiplas. Em seus diferentes traços “devorativos”, bem como em suas divergências e convergências nos elementos “devorados” em si, Tropicália e Manguebeat resultaram em processos de rupturas de paradigma na música brasileira, misturando o global ao local, cada um à sua maneira. Enquanto no movimento sessentista se viam “canibalizações” em colagem e paródia, nas bandas de cá muito se falava do sample, ideia que, segundo o pesquisador, equivaleria à colagem. Esse modo sui generis de fazer música, sampleando e remixando referências, libertando-se de marcações de gênero específicas, acabou por abrir esses campos mais livres para a criação musical na música brasileira.
“São ideias de ruptura, mas, ao mesmo tempo, de se dar com uma certa tradição, e ler essa cultura de raiz em diversas formas. Por exemplo, o Movimento Armorial lia a tradição de uma maneira que Fred 04 (da Mundo Livre S/A) chamava de “museificar” as tradições, de proteger. Já para o Manguebeat e para o Tropicalismo, a tradição, em si, é contemporânea. Então, por que não usar o coco, o maracatu, com outras coisas. É como se eles estivessem no mesmo tempo. É a ideia de que o tradicional pode ser tão vanguardista quanto a música eletrônica”, diz o pesquisador, que enfatiza também o subtítulo “entre tropicalismos e manguebeats”, combatendo a própria representação simplista que se deu midiaticamente ao mangue – “maracatu e coco com guitarra”: muitas são as tropicálias e muitos são manguebeats, e, por isso mesmo, muitos também permanecem sendo seus desdobramentos.