Já em Queimar, parte central do volume, se concentram os escritos mais intensos, inflamáveis, que expressam de forma mais latente, e até mesmo raivosa, dores e injustiças. “A gente amanhece no grito. Ultimamente, neste país insano, temos exercido todas as modalidades de grito”, lemos em Grito, o primeiro conto do capítulo. Os sentimentos e sintomas do corpo estão muito presentes nas histórias, guiando-as ou até mesmo nomeando-as, como é o caso de Ódio e Disgeusia coletiva. “O que eles querem, Monga, minha amiga, é lhe ver de biquíni dentro da jaula (à mercê). Uma submissão ancestralíssima. Obsceno delírio de poder”: eis um trecho de Monga, em que, para criticar o patriarcado, a autora usa como metáfora a típica atração circense da mulher que se transforma em gorila.
É interessante observar, neste livro, a inconstância da fé, com alguns contos esperançosos e outros céticos. Ezter disse à Continente que isso reflete sua própria vivência: “São meus conflitos internos, meus questionamentos, aquela perda e o encontro da fé, que acontece comigo desde a adolescência. A fé pra mim é um tema, porque ela é uma problemática, uma questão interna. Eu costumo dizer que, quando resolver isso na minha cabeça, a fé vai deixar de ser um tema”.
As narrativas discutem também crenças religiosas, em especial o efeito social da religião. No conto My sweet love encontramos crítica sutil às igrejas neopentecostais, ao lermos a história de uma mulher que aceita um pastor em sua vida, deposita nele sua confiança e se vê transformada em uma “estúpida ovelha”, ao abrir sua casa e sua carteira para o homem. “Dizem que deus é bom. Eu digo que deus é só um argumento”, sentencia a personagem. Percebemos, em toda obra, que os contos, mesmo curtos (nenhum deles ultrapassa uma página), carregam sentido completo e comunicam de forma direta o que propõem, o que a autora revelou ter sido um “exercício de concisão” para ela.
Apagar, o capítulo final do livro, é composto por narrativas com direcionamentos conclusivos, finalizando com a otimista Atravessamos. O livro começou a ser construído antes da pandemia, mas atravessa e reflete também o atual período de crise sanitária mundial. “Meu sentimento era que acendesse, queimasse e que, ao final, pudéssemos estar com um pouquinho mais de tranquilidade. De que atravessamos, apesar de todos os danos. Talvez seja uma intenção, de querer me sentir assim”, discorre a escritora, sobre a escolha do final.
“Ela tem contabilizado os mortos numa planilha de Excel e são tantos, que o cheiro impregnou no seu teclado. E então, histérica, e no mais absoluto silêncio: ela escreve.” O trecho do conto Histérica funciona como resumo da motivação de Breves fogueiras: a de esbravejar em texto aquilo que sufoca o cotidiano. Mesmo havendo espaço para assuntos mais brandos, como a rotina e a natureza, a essência da obra é, de fato, discutir problemas coletivos ao expor individualidades.
“Eu tenho achado que os posicionamentos estão sendo muito de manada, de massa, todo mundo pensa igual. E eu queria contribuir para o pensamento crítico do leitor”, diz a autora, e acrescenta: “Quero que as pessoas terminem a leitura do livro com um desejo interno de desenvolver um pensamento próprio sobre as circunstâncias.”
TAYNÃ OLÍMPIA é jornalista em formação pela UFPE e estagiária da Continente.