Curtas

Bloco Rural Caravana Andaluza Engenho Abreus

TEXTO Mayara Moreira Melo

02 de Maio de 2023

A obra de Severino Vicente da Silva registra as seis décadas do bloco

A obra de Severino Vicente da Silva registra as seis décadas do bloco

Foto Hugo Muniz/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 269 | março de 2023]

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A história do Bloco Rural Caravana Andaluza Engenho Abreus se confunde com a história do Brasil. Prestes a completar seis décadas de agremiação carnavalesca, o bloco de Tracunhaém é testemunha da criação da cidade, da cultura da cana-de-açúcar, das lutas camponesas e das heranças do colonialismo na Zona da Mata de Pernambuco. No livro Bloco Rural Caravana Andaluza Engenho Abreus, o historiador Severino Vicente da Silva, mais conhecido como Biu Vicente, nos conduz a uma viagem sobre a colonialidade na cultura e no modo de vida do Estado.

Apesar do trabalho contar com o apoio de uma pesquisa documental intensa, a troca de conhecimento com os moradores e integrantes do bloco é, sem sombra de dúvida, a maior fonte de informações sobre a agremiação. O acervo da memória das pessoas que vivem essa história e a afetividade cerca essa narrativa e conduz a obra para um lugar quase mágico, que contagia quem lê.

Um ano antes da criação da caravana foi sancionado o Acordo do Campo, assinado entre os sindicatos rurais e os fornecedores de cana, determinando que as leis trabalhistas estabelecidas em 1943 para os trabalhadores urbanos passariam a ser aplicadas também para os rurais. O que, por meio de salários mais dignos, destinou essas pessoas a investir minimamente na sua cultura, memória e luta, possibilitando a criação da agremiação.

Como menciona o autor: “O nascimento do Bloco Caravana Andaluza do Engenho Abreus coincide com um período de mudanças políticas, um esforço para superar os entraves que impedem a participação política da maior parte da população brasileira. A maneira de criação do Bloco Caravana Andaluza foi possível graças à chegada da legislação trabalhista na área rural”.

A metade do século XX foi marcada pela formação de blocos rurais de engenhos, porém, com o passar dos anos, especialmente no primeiro carnaval do Bloco Caravana Andaluza, em 1964, o êxodo rural levou ao fim diversas agremiações criadas pelos donos de engenho. Diferentemente dos demais, a Caravana Andaluza foi criada pelo povo, tornando-se o único bloco sobrevivente dessa geração e de Tracunhaém, como a realização de um sonho de três lavradores que desenvolveram uma associação para memorar as alegrias da vida.


Imagem: Reprodução

Criado próximo ao baobá do Engenho Abreus, plantado possivelmente em local onde foi a morada dos escravos que trabalharam no engenho e para remeter às lembranças da terra natal, o bloco foi fundado em 1963 por Luiz Maquinista, Deca Emiliano e Zé Baeta, com a ajuda dos moradores do engenho que viviam em sítios sob a norma e permissão do dono do território.

Os cantos, as danças, o figurino e as apresentações conduzem todos que integram o Bloco Caravana Andaluza a festejar o Carnaval, a vida e seus antepassados, em respeito às suas tradições e sua história, um modo de abraçar a cultura como forma de resistência, apesar das dificuldades. Foi essa característica que possibilitou a sede da agremiação se tornar Ponto de Cultura pelo edital da Funcultura.

MUSICAL
A musicalidade desenvolvida pelo bloco vem dos sons de tarol, bombo, sanfona de oito baixos, rabeca e, principalmente, dos instrumentos de sopro. Essa paleta musical é bastante comum nas apresentações do maracatu rural e passou a ser referência também para o Bloco Rural Caravana Andaluza. As canções remetem às múltiplas experiências vividas pelas pessoas que fundaram a agremiação, como o trecho apresentado na obra:

“Meu Patrão, eu vou embora
Eu não posso demorar
Se eu ficar, eu vou chorar
E o senhor não vai gostar”

O Bloco Rural Caravana Andaluza é uma exceção à regra, criado e sonhado pelo povo para o povo, em um período de enfraquecimento dos blocos rurais, mas de efervescência dos direitos dos trabalhadores rurais, o que lhe permitiu uma longevidade e envolvimento com os brinquedos populares e as demais manifestações culturais que fortalecem a agremiação ao longo dos anos.

A obra nos resgata a lembrança da importância do cultivo das tradições culturais do nosso Estado, as simbologias, os figurinos, as musicalidades e os personagens, como os mestres que representam a alma e a essência dos blocos rurais ao trabalhar com o pensamento. A leitura conduz às origens da nossa história, mas com um novo ponto de vista, ao fazer da arte instrumento para ressignificar o passado e criar uma nova forma de futuro.

MAYARA MOREIRA MELO, jornalista em formação pela Universidade Católica em Pernambuco e estagiária da Continente.

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