Beau tem medo
Novo lançamento de Ari Aster, diretor de 'Hereditário' e 'Midsommar', chega aos cinemas trazendo Joaquin Phoenix como protagonista
TEXTO Laura Machado
20 de Abril de 2023
O vencedor do Oscar Joaquin Phoenix vive Beau, mergulhado em transtornos de ansiedade e medos
Foto A24/Divulgação
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Beau vive rodeado do caos e o teme mais que tudo. Quando sai de casa, sente medo de todas as figuras estranhas que estão por perto; quando vai até o psiquiatra, tem medo de ser mal interpretado e, ao lhe ser receitado ansiolíticos, tem medo de tomá-los da maneira errada e das possíveis consequências do ato. Dentro de casa, protegido pelas paredes, sente medo do lado exterior e, quando olha para o celular, sente medo do que sua mãe irá lhe dizer por ligação.
Metafórico e mega, Beau tem medo é o terceiro filme do cineasta Ari Aster e chega aos cinemas de todo o mundo nesta quinta (20), depois dos sucessos de crítica Hereditário (2018) e Midsommar (2019). Com produção da A24, a estriea utiliza-se do surrealismo como ferramenta de horror – uma característica já vista antes em suas produções – e do humor ácido para criar uma odisseia psicodélica e absurda que convida o espectador a assistir ao mundo pelos olhos de um protagonista paranoico e temeroso de tudo que o rodeia. E quem dá vida a ele, nesta etapa da vida, é o ator Joaquin Phoenix (Sempre em frente, Coringa, Ela).
Logo no início, com a tela ainda preta, sons e ruídos de dor podem ser ouvidos. Sem conhecimento do que se segue, a reação de cerrar os olhos vem como um reflexo da breve confusão e desejo de entender a cena que se desenrola na abertura do filme. Pouco a pouco, a tela deixa de estar inteiramente escura e manchas avermelhadas passam a despontar, tornando cada vez mais claro que a cena obscura que se enxerga é nada mais do que o parto do personagem sob a visão dele mesmo. O bebê que acaba de vir ao mundo e o restante do filme segue mostrando a realidade através da perspectiva do protagonista.
Na narrativa, Beau Wassermann é um homem de meia idade que sofre. Vivendo sozinho em um apartamento pequeno e mal conservado na cidade grande, para ele, até as tarefas mais banais, como ir à loja da frente ou resolver um imprevisto, representam um grande desafio mental e o deixam em estado paralisador. Convivendo com a intensa paranoia e transtornos de ansiedade, o personagem se vê perdido e sem rumo quando uma ligação o apressa para voltar para casa.
Durante as três horas de filme, a jornada para casa se desenrola em cenários completamente absurdos e extravagantes, intercalados por flashbacks da infância de Beau junto à sua mãe (jovem, interpretada por Zoe Lister-Jones, e mais velha, por Patti LuPone). Depois dos acertos do diretor em suas obras anteriores, a primeira hora de Beau tem medo é animadora e instigante, criando dúvidas no espectador e, ao mesmo tempo em que apresenta o estilo habitual do cineasta, ousa na experimentação com o humor, trazendo novos elementos para sua direção, produção e roteiro. O entrelace de elementos, porém, perde o equilíbrio na segunda hora do longa, quando as situações hiperbólicas vividas pelo protagonista se tornam entediantes e forçadas.
A versão jovem de Beau é interpretada pelo ator Armen Nahapetian. Imagem: Still do trailer/A24/Divulgação
Apesar disso, é interessante perceber o desenrolar do núcleo que permeia o segundo momento do longa, que evidencia temas tratados desde o começo, como a maternidade, o narcisismo parental, os transtornos psicológicos e, de maneira mais aprofundada, o luto. Como em Mãe! (2017), do diretor Darren Aronofsky, é possível enxergar as angústias de se ter o espaço invadido e o medo latente do que estar por vir. Desconfortante, as cenas apresentam a dor com o toque de Ari Aster.
Quando a terceira hora do longa se inicia, a performance de Patti Lupone se torna um dos grandes destaques do filme, ao mesmo tempo em que o cineasta parece ter jogado todas as suas ideias de uma vez só no roteiro, sem se importar com a harmonia da história. Assim como os seus trabalhos anteriores, o novo lançamento é confuso, e apesar de isso não atrapalhar suas duas primeiras obras, a falta de coesão é um problema claro para Beau tem medo, que se perde na longa duração. O último momento do filme culmina em todos os pesadelos do protagonista, sem obter, contudo, sucesso em amarrar a narrativa.
O personagem é um retrato da paranoia e da ansiedade levadas ao extremo e por meio da atuação de Phoenix. Com ele, o espectador da obra sente a mesma agonia que o personagem, o que traz o terror para a obra. Mesmo com esse artifício, porém, o horror esperado de Ari Aster não está presente no roteiro de maneira gloriosa e essa falta é um dos motivos pelo qual a obra não é, nem de longe, potente como Midsommar e Hereditário.
LAURA MACHADO, jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.