Um livro bem-editado sobre as relações entre a arquitetura moderna e contemporânea de Portugal e do Brasil saiu no finalzinho de 2019 e teve lançamento em fevereiro, na cidade do Porto (POR), ainda antes do confinamento severo por conta da pandemia. Arquitetura atlântica – Deslocamentos entre Brasil e Portugal reúne variadas formas textuais: a entrevista, o depoimento e o estudo. Abrir o livro com entrevistas foi uma estratégia atraente, neste trabalho que tem organização de Ana Luiza Nobre e João Masao Kamita e coedição da Romano Guerra Editora e da Editora PUC-Rio.
Assim, depois da Introdução, entramos numa “conversa” com o talvez mais conhecido arquiteto português, Álvaro Siza (1933), celebrado internacionalmente por sua obra e que, no Brasil, é autor do projeto da Fundação Iberê Camargo, com prédio construído na beira do Lago Guaíba, em Porto Alegre. Siza é filho de um paraense e traz memórias saborosas dessa herança para a entrevista. Não apenas isso, mas – já com a perspectiva de quem viveu quase 90 anos – observa a arquitetura moderna e as peculiaridades dessa atividade no seu país, inclusive a partir da experiência de trabalhar sob a ditadura salazarista, que perdurou quatro décadas. Fala dos arquitetos que conheceu e, alguns, conviveu no Brasil, confessando, envergonhado, que nunca esteve em Brasília, projeto arquitetônico e urbanístico que levou para o mundo os nomes de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Siza é tema também do estudo de Masao Kamita (Siza no Brasil: cosmopolitismo e melancolia).
Os depoimentos são outro destaque do livro, sobretudo o de Angelo Bucci (Edifício Laranjeiras, em oito ideias soltas) e o diálogo entre o português André Tavares e o brasileiro Guilherme Wisnik (Prosa atlântica). O de Bucci, porque traz a dimensão da complexidade que envolve a criação de um projeto e das forças antagônicas que muitas vezes neles atuam: “A atividade da arquitetura se vincula ao contexto cultural por tantas ramificações quantos são os saberes, as práticas e os meios que se convocam na sua imaginação, configuração de uma proposta e seu uso”, pontua.
E o de Tavares e Wisnik, porque levanta o debate proposto pela publicação sobre os impasses da profissão hoje, sobretudo diante do seu legado e das diferenças de rumo que tomaram as práticas arquiteturais nos dois países. Ao contrário do Brasil, Portugal experimenta um momento de prosperidade, depois da crise financeira da Troika, mesmo que enfrentando o “processo devastador de reabilitação”, como se refere Tavares em relação ao Porto, mas que podemos pensar sobre Lisboa e os efeitos do turismo de massa (tema tratado com pertinência por Gonçalo Byrne em sua entrevista, Cultura e projeto).
A escola paulista de arquitetura moderna é bastante referida no livro, e o Recife comparece no estudo do professor Diego Inglez de Souza, Plataforma de partida: o Edifício Acaiaca e a habitação moderna no Recife. Nele, Diego analisa o crescimento urbanístico da cidade, quando, nos anos 1950, a elite local passa, paulatinamente, a residir no litoral sul, sendo o Edifício Acaiaca, projeto do arquiteto português Delfim Amorim erguido na orla de Boa Viagem, um marco dessa modernização.
Além dos aqui citados, estão presentes na publicação os arquitetos João Luis Carrilho da Graça e João Nunes (entrevistas); Álvaro Domingues, Ana Luiza Nobre, Ana Vaz Milheiro, Jorge Figueira, Marta Bogéa (estudos); e o crítico de arte Ronaldo Brito (depoimento).
ADRIANA DÓRIA MATOS, editora da revista Continente e professora do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco.