A lua na caixa d’água é, portanto, um livro geolocalizado, cuja trilha sonora também não escapa de carioquismos: samba no pé do começo ao fim, com referências múltiplas a canções e artistas que marcaram a vida cultural da cidade. O compositor Aldir Blanc – uma das nossas primeiras perdas artísticas pela Covid-19 – é um deles. Além de estar presente na dedicatória do livro, também inspirou o título a partir de uma anedota de sua infância, contada na primeira crônica.
Neste texto inicial, Marcelo Moutinho também cita o verso "meu quintal é maior que o mundo", do poeta Manoel de Barros, que dialoga tão bem com a proposta do livro de colocar uma lupa de aumento nas "pequenezas" do cotidiano e falar sobre as "enormidades de universos construídos dentro de nossas histórias miúdas". Para o autor, "a crônica tem esse papel de buscar iluminar o que está na sombra, exercer um olhar etnográfico dos paradoxos da cidade".
Outros dois temas que ecoam alto é a descoberta da paternidade e a paixão pela profissão de escritor. A primeira ultrassom (“o futuro que reescreve a vida toda”), o desenvolvimento dos bebês, as diferentes formas de se arrumar uma biblioteca pessoal, as gírias cariocas que caíram em desuso, a tradição não oficial de grandes cronistas se emprestarem textos. Tudo contado com bom-humor, como se estivéssemos em uma mesa de bar. “O bar, dizia o mesmo Mendes Campos, é onde o espinho da solidão dói mais ou menos. E assim sucede porque quando uma solidão encontra a outra, e há afeição, a morte começa a parecer algo distante. Entre conversas, copos americanos, saideiras, um vislumbre de utopia. Nossa pequena ilusão de eternidade”, como diz no texto em que reflete sobre a importâncias dos encontros de bares impossíveis no contexto atual.
A rua, inclusive, está o tempo todo presente em A lua na caixa d'água. Logo ela que nos faz imensa falta desde o início da pandemia. Passear pelas crônicas do livro nos gera uma sensação dupla de nostalgia por um passado não tão distante, em que a efervescência urbana predominava, e de uma esperança de um futuro tão perto/tão longe de quando for seguro novamente viver as ruas em sua plenitude. "Outros dias virão", analisa Moutinho, "mas para que a gente sobreviva até lá, precisamos afirmar a vida".
VALENTINE HEROLD é jornalista e mestre em Sociologia.