Curtas

A insistência em lembrar

Na exposição Sobre alegria e esquecimento, o artista Marcelo Silveira trabalha com fotografias de formandos do início do século vinte ressignificando-as numa série de colagens e recortes

TEXTO Erika Muniz

16 de Outubro de 2023

Foto Danilo Galvão/Divulgação

Procurando objetos, colecionando-os, investigando em mercados de pulgas, leilões ou antiquários, coletando-os, realizando seleções e levando a seu processo de criação. Assim, o artista Marcelo Silveira desenvolveu as obras que compõem a sua nova individual Sobre alegria e esquecimento, com curadoria de Walter Arcela, na Amparo 60. Após reunir cerca de 5000 fotografias em preto e branco e sépia, datadas entre 1920 e 1940, ele foi trabalhando nas imagens e criando uma espécie de trama complexa que originaria muitos trabalhos.

Cada uma das colagens, nascidas a partir de um compilado de fotografias de formandos, que trazem elementos visuais referentes a esse tema, nos convocam a refletir sobre a memória, esse tema urgente, sobretudo num país como o nosso, em que ela está quase sempre sob ataque. Mas a ausência e a importância de se insistir em lembrar também aparecem na mostra. A arquitetura escorregaria da memória, pronta para deixar escapar detalhes, informações e/ou vivências aparece na possibilidade do esquecimento. Em Sobre alegria e esquecimento, a lembrança e o esquecimento se relacionam entre si.

Foto: Danilo Galvão

“A hipótese que a gente lança é que memória e esquecimento são instâncias inseparáveis, são um binômio. Não existe memória sem esquecimento. E relembrar o esquecimento ou manuseá-lo é uma forma de ressignificar. Existe uma alegria nisso, uma alegria melancólica, uma alegria de quarta-feira de cinzas. Essa é uma exposição que fala sobre memória o tempo todo”, comenta o curador, em entrevista à Continente Online.

“Eu poderia definir o processo deste trabalho como sendo ‘a tentativa de lembrar o que os outros tentam esquecer’. É muito por aí. O encontro com a foto, o encontro com a madeira, o meu encontro com o vidro... E esse nome Sobre alegria e esquecimento é que, no meio do processo, encontrei o livro do Milan Kundera, que o Livro da alegria e do esquecimento. Mas não sei se era o livro que estava me procurando ou eu que estava procurando ele (risos)”, afirma Marcelo Silveira, sobre o encontro com o título da exposição.

E entre a disposição das colagens, ao longo do salão da galeria, esculturas grandes em formatos de pilastras, chamam a atenção. Elas foram construídas a partir da coleta de colunas, pés de madeira, pedaços de objetos e acopladas umas nas outras, aparecendo encostadas nas paredes, o que acaba promovendo uma sensação de instabilidade naquele ambiente. Seria como se representassem “as ruínas da memória, das instituições sociais”, como sugere Walter Arcela. “No momento em que a gente coloca essas colunas e elas não estão eretas, como normalmente se apresentam essas instituições que querem ser infalíveis, a gente está fazendo um comentário de como elas são falíveis, de como a memória é falível, de como as instituições disciplinadoras vão falir em algum momento”, complementa.

O tema que é matéria-prima desta exposição já acompanha os processos artísticos de Marcelo Silveira há um tempo, pois ele desenvolveu também outras séries que mergulharam em elementos que circunscrevem a memória, a exemplo de Caixa de retratos (2008-09) e Paisagens (2008-09). Em Hotel Solidão (2021/2022), série de colagens que integrou, no ano passado, a exposição homônima na Galeria Janete Costa, é possível perceber um certo diálogo entre as obras que integram ambas, já que nas duas exposições existem provocações em torno de algo que tentou ser esquecido, mas que o artista busca evidenciar.

Foto: Danilo Galvão/Divulgação

Além de Sobre alegria e esquecimento, que permanece aberta para visitação até 11 de novembro, Marcelo Silveira também apresenta, no ambiente de intervenções artísticas da CASACOR Pernambuco, um site specific, com colagens de Hotel Solidão (2021-2022). A série ocupa uma parede inteira do espaço, e chama a atenção de quem visita o primeiro andar do Edifício Chanteclair pela miscelânea de cores e fragmentos trazidos em cada um dos trabalhos, construídos a partir de uma coleção da revista destinada ao público feminino Grand Hotel – A mágica revista do amor, cujos exemplares iam de 1947 a 1955, e chegaram até o artista. Na forma com que se apresentam, as obras desta série trazem interpretações e outras leituras possíveis para aqueles corpos, movimentos, poses e representações, que outrora ocuparam as páginas de revistas do gênero, ditando padrões, mas que, nas mãos de um artista disposto a mexer no passado e nesses retalhos inscritos no tempo, recebem outras semânticas e possibilidades.

*Sobre Alegria e o Esquecimento*

Curadoria: Walter Arcela 

Visitação: Até 11 de novembro.

Segunda a sexta, das 10h às 19h Sábados das 10h às 15h, com agendamento prévio. Entrada gratuita

Galeria Amparo 60 - No 3o andar da Donna Santa (Rua Professor Eduardo Wanderley Filho, 187 - Boa Viagem, Recife - PE, 51020-170)

*Site Specific - Hotel Solidão*

Até 22 de outubro

CASACOR Pernambuco Onde: Edf. Chanteclair - Av. Marquês de Olinda, 286 / Recife Antigo

Horário: de terça a sábado, das 14h às 22h (bilheteria até 21h). Domingos e feriados, das 12h às 20h.

Ingressos: R$ 80,00 (inteira) e R$ 40,00 (meia para estudante, professor, PCD e pessoas com 60 anos ou mais mediante documento). Crianças até 12 anos não pagam. Obrigatória a apresentação de documento comprobatório.

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