Curtas

'Takorama'

Festival de cinema investe na educação digital de crianças em plataforma online completamente gratuita

TEXTO Sofia Lucchesi

02 de Outubro de 2020

'O complexo do porco-espinho', de LISAA (França, 2013)

'O complexo do porco-espinho', de LISAA (França, 2013)

Imagem Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 238 | setembro de 2020]

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Com escolas
aderindo à modalidade de ensino a distância devido ao contexto da pandemia, as relações entre tecnologia e educação deram um salto além do que as próprias escolas, professores e pais estavam preparados. Foi nesse contexto que a associação francesa Films pour Enfants (Filmes para Crianças) desenvolveu em seu país o TakoramaFestival Internacional de Cinema, plataforma online e completamente gratuita voltada para professores do Ensino Fundamental e seus alunos, bem como aos pais que estão isolamento social com seus filhos. A edição brasileira do festival teve início em setembro e segue até o dia 28 deste mês.

Um dos objetivos da mostra é também auxiliar na alfabetização midiática de crianças e adolescentes. São 15 curtas-metragens de animação realizados em diversos lugares do mundo, não falados e distribuídos em categorias por faixas etárias de 3 a 15 anos, além de atividades pedagógicas relacionadas aos filmes que podem ser aplicadas tanto em classe, pelos professores, quanto pelos pais. A plataforma está disponível para acesso através do endereço www.takorama.com.br.


Meu estranho avô, de Dina Velikovskaya (Rússia, 2011). Imagem: Divulgação

“A metodologia do festival é baseada em pesquisas, trazendo uma curadoria que pensa tanto no tempo de exibição, com um conteúdo curto e potente que dá margem para múltiplas interpretações, quanto aguça a imaginação e possibilita uma abordagem transversal entre diferentes áreas de conhecimento para os professores. As atividades não trazem só um debate com perguntas sobre os filmes, mas também incentivam a pesquisa sobre temas como a cidadania, ecologia, a justiça social e a vida em sociedade num sentido mais amplo”, explica Liana Vila Nova, diretora da América Latina da Associação Internacional Films pour Enfants e diretora da 3emeio, produtora que realiza a edição brasileira do festival.

Entre os curtas escolhidos pela curadoria, a animação argentina O emprego, listada na categoria a partir dos 15 anos de idade, impacta por trazer homens e mulheres como objetos do cotidiano, cumprindo funções de luminárias, cadeiras, mesas, cabides. O filme de 2008, com duração de 6 minutos e 20 segundos, abre possibilidade para o debate sobre questões que envolvem o trabalho no século XXI, fazendo conexão com toda história de exploração e alienação através do labor. Nas atividades transversais que acompanham a animação argentina, um dos exercícios propõe a escuta e análise da música Construção, de Chico Buarque.

Na categoria para crianças a partir dos 6 anos de idade, O complexo do porco-espinho trata sobre o bullying a partir da perspectiva de uma pessoa adulta, mostrando como os traumas da violência sofrida na infância continuam afetando o dia a dia da personagem mesmo na vida adulta, enquanto as atividades pedagógicas que acompanham o filme propõem, por exemplo, a escrita de mensagens de carinho e apoio para outras crianças que tenham sofrido bullying.

EDUCAÇÃO MIDIÁTICA
Nos últimos anos, com a proliferação de notícias falsas ou distorcidas que afetam até mesmo os rumos da política em diversos países, o debate a respeito do consumo de mídia e informação tem sido pauta frequente em veículos de comunicação, assim como também tem sido uma das preocupações centrais de algumas organizações. Para se ter uma dimensão da importância do tema, desde 2013 a Unesco vem realizando ações que educam sobre o consumo das mídias digitais através da Aliança Global para Parceiras em Mídia Alfabetização Midiática (Gapmil).

A Comissão Nacional Francesa da Unesco e a Gapmil também são parceiras do Takorama, assim como o Programa Global do Escritório das Nações Unidas para a Droga e o Crime (Unodc) através da iniciativa Educação para Justiça (E4J). Outra parceria do festival é a organização sem fins lucrativos 3-6-9-12, criada pelo psicanalista e psiquiatra francês Serge Tisseron e formada por pesquisadores e estudantes universitários. A 3-6-9-12 tem como missão educar o público para dominar as telas e o ambiente digital.


O emprego, de Santiago Bou Grasso (Argentina, 2008). Imagem: Divulgação

Há mais de 30 anos, Serge Tisseron vem pesquisando a psicologia cibernética, que aborda a relação entre pessoas, telas e robôs. Sobre o assunto, um dos pontos que o pesquisador ressalta em seus textos é a forma como as indústrias de games e entretenimento se utilizam da dinâmica audiovisual, que é atrativa e instigante, para tornar os espectadores passivos e viciados. O festival tem como missão justamente educar para que esses futuros adultos estejam preparados para ler esse tipo de linguagem, bem como dar suporte aos professores que, em muitos casos, também não possuem letramento digital e midiático, possibilitando o acesso a outras narrativas para a criação de novos repertórios. No estado de Minas Gerais, o Takorama está sendo aplicado como conteúdo pedagógico em ações direcionadas às escolas das redes públicas e privadas em 23 cidades.

“Um ponto que é muito grave no conteúdo da maior parte da indústria de entretenimento infantil é uma certa ‘idiotização’ da criança, como se o infantil fosse incapaz de raciocinar, de ter um pensamento criativo, o que muitas vezes também afasta os pais de estarem junto com as crianças assistindo a um filme ou a um desenho voltado para esse público. O conteúdo do festival é pensado para que toda a família possa assistir e debater junto, com narrativas mais complexas, para que a criança saia do lugar de conforto do cinema infantil mainstream”, enfatiza Liana.

Na metodologia do festival, cujas atividades educativas sempre trazem uma série de perguntas sobre cada filme, o mais importante é o debate. “Isso vai estimular a capacidade de argumentação e de elaboração da criança, no sentido do processo que chamamos de descriptografia da imagem, em que ela vai transformar o que viu em linguagem, refletindo sobre o roteiro, a história, a intenção dos personagens. Se uma criança começa a fazer isso aos três anos, ela terá uma formação paralela, e vai estar bem mais preparada, na vida adulta, para lidar com os hipertextos, com esse excesso de imagem e informação do mundo digital. Você também cria um hábito de questionamento constante nesse indivíduo”, complementa a produtora.

SOFIA LUCCHESI é jornalista com formação pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), fotógrafa e art dealer

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