Gina Mckee e Linus Roache interpretam Marion e Tom mais velhos. Foto: Divulgação
A narrativa de My Policeman tece seu roteiro a partir deste ponto, desenrolando o relacionamento de Tom e Patrick sob os olhos de Marion, que, quase enfeitiçada de amores por seu namorado, não enxerga a intimidade da dupla em um primeiro momento. No período em que grande parte da história se passa, final da década de 1950, ser homossexual era considerado contra a lei, e especificamente na Inglaterra, foi apenas no ano de 1967 que essa proibição deixou de fazer parte do seu conjunto de leis. Assim, a relação mantida por Patrick e Tom requeria discrição não apenas diante de Marion, mas também frente ao governo e aos agentes da lei.
Com roteiro adaptado por Ron Nyswaner, o longa-metragem pinta um retrato doloroso sobre o que significava ser homossexual na sociedade tradicional, expondo um cenário onde viver escondido era a única alternativa para casais do mesmo sexo. A obra não consegue, porém, criar algo novo ou mergulhar de cabeça no tema, tornando a narrativa básica e, em certos pontos, repetitiva. A nova produção da Amazon perde uma oportunidade de explorar os absurdos da proibição de relações homossexuais dentro da sociedade inglesa, de discutir a LGBTfobia intrínseca a essa sociedade e de mudar as narrativas trágicas que permeiam as histórias desse grupo, de forma a lhes permitir um final feliz, para variar.
É triste que, em suas duas horas de duração, o relacionamento de Tom e Patrick seja reduzido a longas cenas de sexo vazias, incapazes de superar o exibicionismo e evidenciar o sentimento amoroso nutrido pelos amantes. Apesar de não serem em sua totalidade descartáveis — quando analisados, é significativo que os momentos de sexo entre os dois sejam expressos de maneira completamente oposta às cenas entre Tom e Marion, caracterizadas como curtas, castas e imprazerosas —, o filme ganharia novo tom se os momentos intimos não se limitassem a tais cenas, explorando outros formatos de cuidado, intimidade e amor.
A obra de Grandage é essencialmente uma representação da busca pelo amor em um tempo onde esse sentimento era limitado, mas, com história óbvia, o roteiro não é forte o bastante para sustentar a ideia. Marion, Tom e Patrick são personagens feitos para entrar em conflitos: seus ideais e motivações são opostos, suas vontades variam e seus sonhos não parecem se alinhar. Para que o espectador consiga criar laços com os personagens, o carisma é essencial, mas, na obra, os três protagonistas agem de maneira mesquinha e individualista com uma frequência tão grande que se torna difícil achá-los palatáveis.
O trio protagonista no fim dos anos 1950 – Patrick, Marion e Tom. Foto: Divulgação
Tanto pelas atuações mornas, quanto pela construção de um roteiro que se esforça demais em passar uma intelectualidade que, claramente, não pertence a si de maneira orgânica, o trio protagonista se mostra raso e desinteressante com o passar do filme, e suas personalidades não evoluem. Como se estivessem parados no tempo, sem mudanças de motivações, novos desejos e sonhos, a imutabilidade dos personagens acaba por criar no filme uma aura tediosa que toma conta da narrativa, deixando toda a história repetitiva e inexplorada.
Marion é um grande fio condutor da trama, narrando a história através do seu ponto de vista e, depois, pela sua leitura dos diários de Patrick, já nos anos 1990. Com linhas tortas, a trama se delimita pouco a pouco, até atingir o ponto onde o passado e presente se misturam e acabam por incumbir no que deveria ser o plot-twist do filme, contudo, sem grandes surpresas, a revelação final já era esperada. O grande destaque da parcela do filme que se passa com os personagens amadurecidos não é a dúvida sobre a situação em si, mas a forma como os atores transbordam os sentimentos dos seus personagens, engessados por anos.
Sucinto, o presente do trio quebra com suas figuras imutáveis e permite aos protagonistas seguirem seus caminhos depois dos longos quarenta anos em que nenhum deles pôde ser realmente livre.
LAURA MACHADO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.