Curtas

'My Policeman' e a dolorosa vivência homossexual nos anos 1950

Com personagens pouco carismáticos, o filme narra a busca por amor dos três protagonistas

TEXTO Laura Machado

17 de Novembro de 2022

O trio protagonista, ainda jovem, na primeira parte do filme

O trio protagonista, ainda jovem, na primeira parte do filme

Foto Divulgação

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A voz melodiosa de Dean Martin entoando Memories Are Made Of This se desenrola de forma sensível sobre o cenário quase bucólico da cidade em tons claros da costa inglesa, Brighton. O azul das ondas do mar que se quebram, o marrom claro das areias da praia, as cores pastéis pintadas sobre a madeira das casas. Em sua cena de abertura, o longa-metragem My Policeman sintoniza na estação dramática que será explorada por todo o seu fio narrativo.

Dirigido por Michael Grandage, nome já estabelecido no mundo do teatro, tanto por suas performances como ator quanto por suas direções, o filme, disponível no Amazon Prime Video, é sua segunda obra no cinema — Em 2016, Grandage dirigiu o filme Genius, que conta com a atuação de Jude Law e Nicole Kidman. O seu novo lançamento segue o formato do anterior e é uma adaptação do livro homônimo da escritora Bethan Roberts, publicado pela primeira vez em 2012.

Na trama, quarenta anos separam o passado e o presente do casal protagonista. No ano de 1959, Marion (Emma Corrin) é uma jovem professora, apreciadora das pinturas e da literatura, enquanto Tom (Harry Styles) é apresentado como um homem inocente e encantador, recém estabelecido como policial após servir no exército. Depois de se conhecerem em um dia na praia, Marion e Tom se tornam um casal e, após pouco tempo, decidem se casar. A mulher desconhece, porém, que seu marido tem um caso extraconjugal com um amigo próximo do casal, Patrick Hazelwood (David Dawson), desde antes de conhecê-la. Em 1999, Marion (No presente, interpretada por Gina Mckee) e Tom (Linus Roache) seguem casados, em uma vida pacata após a aposentadoria, abalada, porém, quando a mulher decide acolher o antigo amigo (Rupert Everett) após ele sofrer um ataque cardíaco.


Gina Mckee e Linus Roache interpretam Marion e Tom mais velhos. Foto: Divulgação

A narrativa de My Policeman tece seu roteiro a partir deste ponto, desenrolando o relacionamento de Tom e Patrick sob os olhos de Marion, que, quase enfeitiçada de amores por seu namorado, não enxerga a intimidade da dupla em um primeiro momento. No período em que grande parte da história se passa, final da década de 1950, ser homossexual era considerado contra a lei, e especificamente na Inglaterra, foi apenas no ano de 1967 que essa proibição deixou de fazer parte do seu conjunto de leis. Assim, a relação mantida por Patrick e Tom requeria discrição não apenas diante de Marion, mas também frente ao governo e aos agentes da lei.

Com roteiro adaptado por Ron Nyswaner, o longa-metragem pinta um retrato doloroso sobre o que significava ser homossexual na sociedade tradicional, expondo um cenário onde viver escondido era a única alternativa para casais do mesmo sexo. A obra não consegue, porém, criar algo novo ou mergulhar de cabeça no tema, tornando a narrativa básica e, em certos pontos, repetitiva. A nova produção da Amazon perde uma oportunidade de explorar os absurdos da proibição de relações homossexuais dentro da sociedade inglesa, de discutir a LGBTfobia intrínseca a essa sociedade e de mudar as narrativas trágicas que permeiam as histórias desse grupo, de forma a lhes permitir um final feliz, para variar.

É triste que, em suas duas horas de duração, o relacionamento de Tom e Patrick seja reduzido a longas cenas de sexo vazias, incapazes de superar o exibicionismo e evidenciar o sentimento amoroso nutrido pelos amantes. Apesar de não serem em sua totalidade descartáveis — quando analisados, é significativo que os momentos de sexo entre os dois sejam expressos de maneira completamente oposta às cenas entre Tom e Marion, caracterizadas como curtas, castas e imprazerosas —, o filme ganharia novo tom se os momentos intimos não se limitassem a tais cenas, explorando outros formatos de cuidado, intimidade e amor.

A obra de Grandage é essencialmente uma representação da busca pelo amor em um tempo onde esse sentimento era limitado, mas, com história óbvia, o roteiro não é forte o bastante para sustentar a ideia. Marion, Tom e Patrick são personagens feitos para entrar em conflitos: seus ideais e motivações são opostos, suas vontades variam e seus sonhos não parecem se alinhar. Para que o espectador consiga criar laços com os personagens, o carisma é essencial, mas, na obra, os três protagonistas agem de maneira mesquinha e individualista com uma frequência tão grande que se torna difícil achá-los palatáveis.


O trio protagonista no fim dos anos 1950 – Patrick, Marion e Tom. Foto: Divulgação

Tanto pelas atuações mornas, quanto pela construção de um roteiro que se esforça demais em passar uma intelectualidade que, claramente, não pertence a si de maneira orgânica, o trio protagonista se mostra raso e desinteressante com o passar do filme, e suas personalidades não evoluem. Como se estivessem parados no tempo, sem mudanças de motivações, novos desejos e sonhos, a imutabilidade dos personagens acaba por criar no filme uma aura tediosa que toma conta da narrativa, deixando toda a história repetitiva e inexplorada.

Marion é um grande fio condutor da trama, narrando a história através do seu ponto de vista e, depois, pela sua leitura dos diários de Patrick, já nos anos 1990. Com linhas tortas, a trama se delimita pouco a pouco, até atingir o ponto onde o passado e presente se misturam e acabam por incumbir no que deveria ser o plot-twist do filme, contudo, sem grandes surpresas, a revelação final já era esperada. O grande destaque da parcela do filme que se passa com os personagens amadurecidos não é a dúvida sobre a situação em si, mas a forma como os atores transbordam os sentimentos dos seus personagens, engessados por anos.

Sucinto, o presente do trio quebra com suas figuras imutáveis e permite aos protagonistas seguirem seus caminhos depois dos longos quarenta anos em que nenhum deles pôde ser realmente livre.

LAURA MACHADO, estudante de Jornalismo e estagiária da Continente.

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