Curtas

[Cinema] De volta a Sessão Vitrine Petrobrás

Filmes restaurados, estreias e formação de público estão no radar do projeto

TEXTO Carol Botelho

16 de Novembro de 2023

O longa pernambucano 'Propriedade', de Daniel Bandeira, será exibido dia 14 de dezembro no Recife

O longa pernambucano 'Propriedade', de Daniel Bandeira, será exibido dia 14 de dezembro no Recife

Foto Pedro Gallo/Divulgação

SÃO PAULO - Com termômetros marcando 38ºC, uma sala de cinema com ar-condicionado se tornou oásis em meio ao bafo quente das ruas de São Paulo. O oásis em questão fica no Espaço Itaú de Cinema, na Consolação, onde aconteceu a coletiva de imprensa para anunciar a volta da Sessão Vitrine com apoio da Petrobrás seis anos depois. Infelizmente – assim como o filme Retratos Fantasmas, de Kleber Mendonça Filho,  nos diz em narrativa poeticamente triste – o espaço paulistano é mais um cinema de rua que corre o risco de extinção. O patrocínio da instituição financeira que lhe dá nome não foi renovado. Estamos na torcida por um novo patrocínio. Nós e a sócia-fundadora da Vitrine Filmes, Silvia Cruz, que guarda forte memória afetiva como frequentadora desse cinema desde criança até os dias de hoje. É para lá que costuma levar a filha, assim como o pai fazia com ela há 30 anos. 

Um dos projetos mais atuantes na distribuição coletiva e difusão de longas e curtas nacionais retorna para as telonas de 23 cidades brasileiras, a partir do dia 23 do mês corrente, com a exibição de Durval Discos, exatamente 20 anos depois de sua estreia, em 2003, justamente na histórica sala situada na Rua Augusta. No dia 14 de dezembro, será a vez do longa pernambucano Propriedade, de Daniel Bandeira, estrear em todo o país simultaneamente. Seguido pela animação Bizarros peixes das fossas abissais, de Marão, que estreia em janeiro de 2024. Em fevereiro, estreia o curta Sem coração, do pernambucano Tião e de Nara Normande.

Outros filmes ainda não foram anunciados, visto que o processo curatorial segue acontecendo, esperando obras serem finalizadas. “Vai ser maravilhoso encontrar e entender os novos públicos de cinema, pessoas que já nasceram na era dos streamings, ou as que ficaram um bom tempo longe das salas por causa da pandemia. A quantidade de conteúdo visual disponível é gigante nas redes sociais, e competem com o cinema”, reflete Silvia. Os próximos filmes a serem lançados serão divulgados em breve. 

Durval Discos, de Ana Muylaert, ganhou versão digital 20 anos após a estreia. Foto: Pedro Gallo/Divulgação

Na programação, a curadoria pretende mesclar estreias e patrimônios, curtas e longas. Para essa tarefa curatorial, Silvia chamou Talita Arruda. “É um projeto que sempre responde aos desafios do audiovisual. O recorte foi muito de pensar não somente o filme, mas também o público. E formação de público é um trabalho que precisa de continuidade”, afirma Talita. Ela ressalta o caráter pungente da produção cinematográfica brasileira, que mesmo assim ainda sofre com preconceitos do público não cinéfilo. “Nesse momento de retomada de políticas públicas culturais, é muito importante uma iniciativa como a da Sessão Vitrine”. 

A realidade atual promete ser transformadora, ainda mais com a proposta de realizar sessões especiais, que não se resumem somente à exibição na telona, mas que incluem conversas com os realizadores, por exemplo. A programação também contará com oficinas sobre digitalização de patrimônio e animação. Só não se sabe ainda em que cidades ocorrerão. No Recife, que já conta com dois realizadores na programação, é certo que as oficinas marcarão presença. 

Além das salas alternativas Brasil afora – no Recife as exibições ocorrerão principalmente no Cinema da Fundação, e muito provavelmente no Teatro do Parque –, a iniciativa pela primeira vez contará com novos e comerciais exibidores, como Cinépolis, Cinemark e Kinoplex. “Esses grandes exibidores não costumavam olhar para as produções brasileiras independentes”, recorda Silvia. Talvez o preço do ingresso seja a maior barreira para levar o pessoal ao cinema. Se antes, quando a oferta de salas de rua era muito maior do que hoje, e os ingressos eram bastante acessíveis, hoje, quando as salas majoritariamente se concentram em shoppings, os preços altíssimos praticados não incentivam a democratização. O Vitrine pretende amenizar esse contexto praticando preço fixo de R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). 

Sem coração, de Tião e Nara Normande, estreia em fevereiro de 2024. Foto: Pedro Gallo/Divulgação

Para quem não lembra ou simplesmente nasceu depois, ou era pequeno demais para recordar, Durval Discos, de Ana Muylaert, narra, com fortes doses de humor ácido, a saga de um dono de loja de vinil que se recusa a aceitar a então grande inovação tecnológica do CD. Ironicamente, a história recente mostra que o vinil, no tempo contemporâneo, é que é a bola da vez. Daí uma das importâncias em visitar acervos cinematográficos, olhar para o passado e trazer para o presente. E isso só é possível com a  preservação das películas. Durval Discos passou por uma remasterização em 4k. 

A preservadora audiovisual Débora Butruce ressalta a importância de se voltar a falar sobre filme de patrimônio. “A maior parte dos recursos financeiros se volta para a produção. Digitalizar Durval em 4k é ver todas as possibilidades artísticas. O filme estava em boas condições, mas muitos não estão.  A película de 35mm é muito frágil, e isso se deve à crise aguda pela qual a Cinemateca Brasileira passou nos últimos anos”, lamenta Débora, acrescentando a importância de um olhar mais cuidadoso para a preservação dos negativos dos filmes. “Uma vez que o filme está digitalizado, a vida dele volta a existir em diversas janelas, tornando sua vida longa”. 

Em Propriedade, Daniel Bandeira constrói um suspense de provocar olhos arregalados na telona, tamanha a tensão em torno da narrativa sobre as relações perversas  entre patrão e empregado. Com destaque para a perfeita atuação de Malu Galli, a protagonista, o filme já foi exibido na Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, no Festival do Rio, na Mostra de Cinema de Tiradentes, no Festival de Berlim e no Festival de Cinema de Sitges, na Espanha. Mas só em dezembro chegará ao Recife. Coisas da logística de distribuição… “Acendemos o pavio e queremos ver estourar. Estou com medo e animado com esse lançamento abrangente e atencioso”, disse o realizador pernambucano. “Estamos na expectativa de ver um filme com potencial de comunicação gigantesco pois, ao mesmo tempo em que é compreensível para o grande público, é também complexo e provoca muita reflexão”, analisa Malu Galli. O filme foi rodado em área de engenho no litoral sul pernambucano.


Animação Bizarros peixes das fossas abissais, de Marão,
estreia em janeiro do ano que vem. Foto: Pedro Gallo/Divulgação

“Trabalho com animação há 30 anos e até o ano 2000 não existia nenhuma série brasileira de animação. Em 20 anos, 40 longas de animação estão sendo realizados”, analisa Marão, premiado diretor de animação que dirigiu Bizarros peixes das fossas abissais. A narrativa acompanha uma mulher com poderes excêntricos, uma tartaruga  com transtorno obsessivo-compulsivo e uma nuvem com incontinência pluviométrica em uma viagem pelas profundezas abissais do oceano. Já Sem coração acabou de passar pelo Festival de Veneza, e pela Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, onde ganhou o prêmio da Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Ambientada no litoral de Alagoas, a história nos apresenta a Tamara, que ouve falar de uma adolescente cujo apelido é Sem Coração por causa de uma cicatriz que ostenta no peito. 

Com uma década de vida, a Vitrine Filmes já lançou 71 títulos, alcançando 250 mil espectadores. Um dos diretores, o pernambucano Kleber Mendonça Filho, fez parte da primeira edição do Vitrine, com seu primeiro longa-metragem, o documentário Crítico (2011), bem antes de ser presença certa no tapete vermelho de Cannes e de integrar longas no mainstream. A parceria dura até hoje. O próximo longa, Agente secreto, a ser filmado no Recife em 2024, com Wagner Moura no elenco, contará com a Vitrine Filmes. 

Mais informações no site www.vitrinefilmes.com.br/sessao-vitrine

CAROL BOTELHO, repórter da Continente

 

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