Georges-Louis Leclerc, também recordado como o conde de Buffon, não sem alguma ingenuidade, supôs numa sentença célebre: “O estilo é o homem”. O livro ora apresentado do escritor Lourival Holanda (Realidade inominada – Ensaios e aproximações) esclarece o equívoco: um homem é os livros aos quais se dedicou. No caso de Lourival, entre tantas veredas possíveis, um pouso seguro seria a invenção de Montaigne, Os ensaios.
Esbocemos o improvável: definir em palavras escassas o gênero do amigo de Étienne de La Boétie.
Eis uma possibilidade:
(Espero que a audácia não faça nosso amigo Lourival corar por pudor alheio).
Os ensaios colocam em cena o modus operandi de certo humanismo – crítico, acrescentaria Eduardo Cesar Maia, o maior responsável pela publicação de Realidade inominada – sutilíssima alusão à Poética de Aristóteles, que assim definia a mímesis cujo meio era o logos: “Mas a arte que mimetiza apenas com a linguagem (...) encontra-se inominada até agora”.
Desconfio que esse é bem o projeto do escritor Lourival: Adão às avessas, sua tarefa é antes desnomear, a fim de preservar o vigor das letras – inomeadas, mas, por isso mesmo, lidas, relidas e treslidas, segundo a lição machadiana.
Concluo o esboço da estrutura do ensaio de Montaigne, pois nela imagino surpreender o perfil do escritor Lourival Holanda.
Eis: o movimento ensaístico é pendular, oscilando de episódios prosaicos à roda da biblioteca – movimento espiralado, que funde vida e biblioteca, experiência e erudição, leitura e corpo. Assim um fato qualquer evoca um clássico determinado. Ou a visitação desse ilumina aquele.
Num momento histórico em que a insânia do Dr. Bacamarte parece dominar o país, e pretende impor um autêntico estado de sítio às universidades públicas, mencionemos quem realmente entende de Loucura – ela própria.
Penso, claro está, no Elogio da loucura, de Erasmo de Roterdam. Destaque-se o traço comum com o modo sereno dos Ensaios, pois a Loucura também não dá um passo sem recorrer aos clássicos – devidamente meditados. Ao tratar de um tema espinhoso, até a Loucura mostrou alguma sensatez: “Interrogai Homero e outros poetas, e eles poderão dizer-vos (...) belíssimas coisas”.
Portanto, desprezar as Humanidades – chegar à Loucura de persegui-las – ameaça nada menos do que a humanidade em si mesma. Pois não são as letras que nos ensinam a ampliar nossos repertórios de modo a acolher o outro em lugar do desejo bárbaro de eliminá-lo?
Não será o humanismo crítico, que tanta falta faz no Brasil de hoje, uma forma metódica de ampliação constante de nossos repertórios intelectuais, afetivos e existenciais? Não serão os Ensaios e aproximações propostos pelo escritor Lourival Holanda o caminho decisivo para a superação dos impasses contemporâneos?
Nota da redação: Nesta quarta (29/5), às 10h, Lourival Holanda se reúne com os críticos e ex-alunos de Teoria Literária Fábio Andrade, Peron Rios e Eduardo Cesar Maia para conversar com o professor sobre sua obra e as questões presente em seu livro a partir da perspectiva da crítica. A conferência Realidade inominada: a crítica literária em Lourival Holanda é aberta ao público e acontece no Miniauditório 2 do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE. Para adquirir o livro de Lourival, publicado pela Cepe Editora, clique aqui.
JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA é graduado em História e mestre e doutor em Letras pela UERJ, onde é professor de Literatura Comparada. Fez um segundo doutorado em Literatura Comparada na Stanford University, EUA. Realizou pós-doutorado na Freie Universität e na Princeton University. Recebeu, em 2014, o prêmio Ensaio e Crítica Literária da Academia Brasileira de Letras e, em 1998, o Prêmio Mário de Andrade da Biblioteca Nacional.