O mercado editorial brasileiro vai percebendo, aos poucos, a importância da Coreia do Norte. Nos últimos anos têm sido publicados no Brasil títulos que tratam em profundidade do país asiático que ameaça o mundo com seu suposto poder nuclear. Além de Uma produção de Kim Jong-il, de Paul Fischer, que trata da fixação do líder com o cinema, há vários outros títulos dignos de nota.
Um dos relatos mais fascinantes é o do poeta e escritor Jang Jin-sung, que trabalhava na propaganda do regime. Ele conta, no livro Querido Líder (Editora Três Estrelas), sua fuga do país e faz um relato em primeira pessoa dos meandros da máquina de propaganda instituída pelo regime totalitário. Jang, na condição de um dos poucos poetas aceito pelo sistema para escrever poemas laudatórios sobre o líder Kim Jong-il, teve acesso durante anos aos corredores do poder e descreve em detalhes a máquina de propaganda estabelecida na Coreia do Norte, ao longo das últimas sete décadas.
Em determinado trecho do livro, Jang Jin-sung escreve: “Qualquer pessoa que produza uma obra que não lhe tenha sido atribuída pela cadeia de comando é, por definição, culpada de traição. Todas as obras escritas na Coreia do Norte devem ter início em resposta a uma requisição específica do Partido dos Trabalhadores. Não é papel do escritor articular novas ideias ou fazer experiências estéticas a seu bel-prazer”. Por não ser uma pessoa comum, seu depoimento é um misto de testemunho da vida normal com bastidores do poder, acessível a pouquíssimas pessoas. O livro tem curiosidades, como a informação de que, enquanto no regime de Kim Il-sung (entre 1945 e 1994) o romance era a forma literária preferida, para contar a luta pela libertação da Coreia, no governo do filho Kim Jong-il (1994-2011) foi a poesia a forma literária preferida; por dois motivos: o gosto pessoal do Líder Querido por poemas e também por um prosaísmo, a ausência de papel disponível para imprimir obras volumosas.
Alguns livros publicados são baseados em depoimentos de dissidentes que conseguiram fugir do país e deram longas entrevistas contando a saga em campos de concentração para prisioneiros na Coreia do Norte. É o caso do livro Fuga do campo 14 (Editora Intrínseca), no qual o jornalista norte-americano Blaine Harden conta a história de Shin Dong-hyuk, jovem norte-coreano que conseguiu escapar de um desses campos de prisioneiros.
Em Para poder viver (Companhia das Letras), a garota Yeonmi Park conta para a jornalista norte-americana Maryanne Vollers sua jornada de fuga, passando pela China e pela Mongólia, até chegar à Coreia do Sul. O livro se encaixa no filão muito popular desde os diários de Anne Frank, isto é, o relato sofrido de uma menina em situações-limite, filão que nos últimos anos teve a paquistanesa Malala Yousafzai como expoente mundial, tendo ganhado o Nobel da Paz de 2014.
Na categoria dos relatos de viajantes, existem livros como Viagens aos confins do Comunismo (É Realizações), no qual o ensaísta inglês Theodore Dalrymple traça um relato aterrador do simulacro total que é a vida em Pyongyang. Dalrymple visitou a cidade em 1989, com uma delegação de esquerdistas britânicos, durante uma das edições do Festival Internacional da Juventude (evento que reunia, a cada quatro anos, jovens comunistas de todo o mundo).
Em 2012, aproveitando os festejos pelo centenário de nascimento de Kim Il-sung, o escritor português José Luís Peixoto conseguiu entrar no país e escreveu Dentro do segredo (Companhia das Letras), no qual descreve o clima orwelliano do culto à personalidade na Coreia do Norte.
O médico gaúcho Nelson Asnis publicou recentemente Um psiquiatra na Coreia do Norte (editora Buqui), um pequeno livro que faz um resumo de sua aventura recente no país asiático, apresentando fotos em quase um terço das 112 páginas.
Num misto de trabalho jornalístico e pesquisa de documentos, encontra-se o livro Nada a invejar (Companhia das Letras), de Barbara Demick, ex-correspondente do Los Angeles Times, em Seul. Ela fez entrevistas com dissidentes que conseguiram fugir para analisar a modalidade de marxismo imposta pela família Kim na Coreia do Norte.
Contendo uma análise política acadêmica e algo ingênua, saiu um livro pela editora da Universidade de São Paulo (Unesp), dentro da série Revoluções do século XX. Chama-se A revolução coreana, escrito pelos acadêmicos brasileiros Paulo Visentini, Analúcia Pereira e Helena Melchionna. O livro é curioso por tentar justificar a xenofobia norte-coreana como resistência ao imperialismo ocidental. Também tenta explicar o culto à personalidade como resultado da tradição confucionista asiática, mas não leva em conta que outros países da região também possuem a mesma tradição e nem por isso adotaram o mesmo sistema de culto.
Uma publicação interessante também é a graphic novel intitulada Pyongyang – Uma viagem à Coreia do Norte, que acaba de ter nova edição no Brasil pela Zarabatana Books. O autor é o canadense Guy Delisle, que trabalhava para um estúdio de animação da França que terceiriza sua produção, passando o trabalho mais manual para desenhistas norte-coreanos. Delisle foi enviado ao país para supervisionar, durante dois meses, o trabalho de animação encomendado pelo seu estúdio. As 176 páginas do livro, em preto e branco, são fiéis à paisagem física e humana de Pyongyang. Com um humor sutil, o livro traça uma visão irônica da capital norte-coreana e revela a personalidade resignada de um artista submetido ao culto da personalidade para poder cumprir sua missão profissional.
MARCELO ABREU é jornalista e autor do livro Viva o Grande Líder – Um repórter brasileiro na Coreia do Norte.