O caminhar de mudanças pelo qual passa o Oscar se dá em um momento no qual sua cara pompa vem passando por testes de popularidade, vendo sua audiência oscilando e seu formato de uma longa cerimônia se desgastando. A pandemia acabou por alargar essa instabilidade, trazendo a noite de pior audiência da história da premiação, segundo números preliminares. Talvez o principal desafio desse ano fosse pensar uma noite que conseguisse não ser tão mitigada por uma fadiga global, que assola ao mesmo tempo o espírito de indivíduos, mas também a grande máquina de cinema hollywoodiano.
Por um lado, temos um público vivendo dias de ressaca e luto por mais de um ano vivendo em uma pandemia e, por outro, o setor audiovisual continua sendo duramente impactado (dos grandes estúdios às produtoras independentes), incluindo o adiamento de lançamentos e gravações. Não que as obras indicadas deste ano sejam tapa-buracos, mas, inevitavelmente, o Oscar 2021 carrega uma aura de “o que poderia ter sido” desde antes de sua cerimônia, com as condições impostas pelo mundo ao redor. E tal cenário fora do padrão “antigo normal” levou a cerimônia para um caminho de limitações e experimentações, tentando se equilibrar entre não perder sua pompa e não soar mal perante a opinião pública em relação aos cuidados sanitários.
Entrada da cerimônia deste ano, em Los Angeles. Foto: Matt Petit / ©A.M.P.A.S/ Divulgação
Coube a Steven Soderbergh, diretor com uma propensão a explorar tecnologias e formatos, comandar a cerimônia, com promessas de fazer o evento parecer mais um filme do que um programa de TV, algo que não foi tão concretizado assim. Para manter sua imagem de glamour, o Oscar não poderia fazer algo parecido como fez o Globo de Ouro, seu primo distante mais humilde, que teve seus vencedores recebendo o prêmio por meio de videoconferências. O primo rico não poderia ter a participação de suas estrelas como se dá em uma remota reunião de trabalho de um cidadão comum, mesmo sabendo que os riscos, por mais que se adote protocolos, ainda existiam e poderiam ser minimizados.
Além da mudança de localidade e do reduzido número de presentes, uma das principais iniciativas foi um certo enxugamento da cerimônia, acertadamente colocando os números musicais para serem apresentados antes do evento principal e equivocadamente deixando de passar trechos dos filmes indicados, principal razão da existência da premiação, como exibia antes — ou seja, sem atiçar a curiosidade para uma busca por eles. Mas o verdadeiro tiro pela culatra foi a decisão de não mais encerrar a cerimônia com a entrega do prêmio de Melhor Filme, colocando os principais de atuação por último. A grande motivação especulada para tal alteração era a certeza de que o falecido ator Chadwick Boseman seria o vencedor da categoria, dando ao final do espetáculo uma impactante comoção emocional. O prêmio acabou indo para Anthony Hopkins, que não estava presente nem remotamente para discursar, transformando o auge em anticlímax. Situação, de certa forma, sintomática de uma premiação que corre contra anos de atraso em seu pertencimento a um mundo mais diverso e democrático.
ROSTAND TIAGO, jornalista e crítico de cinema.